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Raízes fortes: ‘grande imigração’ libanesa no Brasil data de 1880

'Grande imigração' árabe começou após viagem de Dom Pedro II ao Oriente Médio, segundo pesquisador

Por Caio Saad Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 13 ago 2020, 18h08 - Publicado em 13 ago 2020, 18h03

Em frente à igreja da praça principal da pequena Bom Jesus do Itabapoana, no interior do estado do Rio de Janeiro, um letreiro se destaca: Cine Teatro Monte Líbano. O prédio, inaugurado em 1950 por imigrantes libaneses e hoje tombado pelo governo estadual, serve como exemplo das raízes que árabes criaram dentro do Brasil, sobretudo longe dos grandes centros urbanos.

Muitos dos primeiros libaneses que vieram ao país eram mascates, ou caixeiros-viajantes, que chegaram sozinhos e percorriam o interior do Brasil, das fazendas de café em São Paulo às plantações no Paraná, levando tecidos, bijuterias e outros artigos. Depois de um tempo, com um pouco de dinheiro guardado, traziam suas famílias e abriam negócios. 

Apesar de registros da presença de árabes desde o início do período colonial, à medida que navegantes portugueses tinham contato com o Oriente, especialmente com o Império Otomano, a “grande imigração” libanesa data de 1880, segundo Roberto Khatlab, diretor do Centro de Estudos e Culturas da América Latina da Université Saint-Esprit de Kalsik, no Líbano.

“A visita de Dom Pedro II ao Oriente — Líbano, Síria, Palestina e Egito, entre 1871 e 1876 — divulgou o Brasil, inclusive entre jornais árabes”, disse. “Na época, escreveram sobre o Brasil, suas riquezas minerais, agrícolas, seus rios… Isto atraiu os libaneses ao que imaginavam ser uma espécie de Eldorado”, afirmou, em referência à lenda da cidade perdida nas Américas feita de ouro e repleta de tesouros.

A intimidade entre o Brasil e o Líbano foi realçada após a explosão no porto de Beirute na terça-feira da semana passada, que deixou ao menos 163 mortos e mais de 6.000 feridos. Comunidades libanesas no país se organizaram para enviar suprimentos e itens básicos. Os danos gerados pela detonação são estimados entre 10 e 15 bilhões de dólares e em torno de 300.000 pessoas ficaram desabrigadas.

Em homenagem, um dos símbolos nacionais, a estátua do Cristo Redentor, foi iluminada com um projeção da bandeira libanesa nos dias seguintes à explosão. Nesta quarta-feira, 12, o presidente Jair Bolsonaro participou de uma solenidade da missão oficial brasileira de ajuda ao Líbano. A comitiva, comandada pelo ex-presidente Michel Temer, de família libanesa, irá levar alimentos, medicamentos e itens básicos para Beirute.

O próprio porto de Beirute tem outro significado especial para o Brasil: foi lá que Dom Pedro II desembarcou em sua viagem à região. 

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“Em suas viagens, o imperador divulgou o Brasil por sua personalidade: era um intelectual, um homem humanista e poliglota. Falava árabe, hebraico, aramaico, lia hieróglifos”, afirmou Khatlab. “Isso fez com que tivesse vários admiradores. Em minha pesquisa, encontrei diversos jornais da época, escritos em árabe e hebraico, que escreveram sobre o Brasil Império”. 

Presença atual

Os números de libaneses e descendentes no Brasil são imprecisos, já que não há um censo. A Câmara de Comércio Árabe-Brasileira encomendou uma pesquisa autodeclaratória, apresentada em julho deste ano, que indica que 11,6 milhões de brasileiros são descendentes de árabes: destes, 27%, ou 3,1 milhões, são especificamente libaneses. O Consulado Geral do Líbano em São Paulo, por sua vez, cita uma presença de 8 a 10 milhões de pessoas.

Para acadêmicos, como Khatlab, é difícil ter um número exato.

“Até mesmo a população do Líbano é uma estimativa complexa, alguns dizem 4 milhões, outros 6 milhões. O último censo do Líbano data de 1932, durante o mandato francês”, ressaltou o pesquisador. Para ele, a estimativa mais conveniente indica uma presença de 5 a 6 milhões de libaneses e descendentes no Brasil. No mundo, esse número seria de 12 milhões. Depois do Brasil, a Argentina tem a maior comunidade libanesa, com uma presença que varia de 1,2 milhão a 3,5 milhões.

Badra El Cheikh, de 84 anos, faz parte dessa estatística. Ela chegou ao Brasil em 1955, seguindo os passos de seus irmãos que seguiram para Goiás, durante o domínio francês no Líbano e na vizinha Síria. Mãe de dois filhos, nascidos no Brasil, ela diz fazer questão de manter ligação com suas origens.

“Eu voltei ao Líbano umas quatro vezes. A primeira foi em 1973 para levar meus filhos”, contou. “Eu gosto do Brasil, mas em primeiro lugar eu gosto da minha terra. Do lugar onde eu nasci”.

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A neta da matriarca, que carrega o mesmo nome, relatou preocupação com familiares que estão longe.

“Tivemos um primo e meu tio feridos na explosão”, contou Badra, de 24 anos e mestranda em Comunicação. “Tenho algumas lembranças de 2006, da época da invasão israelense, foi a mesma sensação de ter que ligar para lá, de desespero. Ficamos ligando para os primos, para os tios, para todos”.

A jovem acrescentou que, no primeiro momento, a família evitou contar do acontecimento para a avó, até que houvesse notícias mais precisas.

“As duas pessoas que ficaram feridas ficaram muito mal. Todos também tiveram os vidros de casa quebrados”, disse. “Agora é esperar que o Líbano não continue afundando e as coisas melhorem logo”.

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