Uma equipe de investigadores internacionais afirma ter acumulado, ao longo dos últimos três anos, provas suficientes para indiciar o ditador da Síria, Bashar Assad, e outros 24 funcionários de seu regime por crimes de guerra. Segundo o jornal The Guardian, os casos levantados pelos promotores estão relacionados com o papel de Assad para reprimir os protestos populares que desencadearam a guerra civil do país, em 2011. À época, a Síria presenciava levantes oriundos da Primavera Árabe que derrubou ditaduras no Egito e Tunísia. Dezenas de milhares de pessoas foram presas, sendo que muitos foram torturados e mortos durante o período em que estavam sob a custódia das autoridades locais.
Os indícios foram colhidos pela Comissão Internacional de Justiça e Responsabilidade Criminal (CIJA, em inglês), grupo de investigadores e especialistas que trabalharam em tribunais de guerra na antiga Iugoslávia e Ruanda e que já colaboraram com o Tribunal Penal Internacional (TPI). Pelo menos cinquenta investigadores sírios foram incumbidos de contrabandear documentos oficiais da ditadura de Assad para os promotores que se encontravam fora do país. A perigosa tarefa provocou a morte de um investigador e deixou outro seriamente ferido. Muitos também foram detidos e torturados pelo regime.
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O Guardian ressalta que os promotores estão concentrados em montar casos e estratégias para processar Assad no futuro – a Rússia, um importante aliado da Síria, tem usado seu poder de veto no Conselho de Segurança da ONU para bloquear qualquer investigação contra o ditador no sistema penal internacional. Mas os investigadores acreditam que uma eventual queda do regime possa viabilizar a abertura de um processo criminal contra Assad.
Atualmente, a CIJA tem investigado a atuação no conflito do Exército sírio e dos grupos extremistas que fazem oposição a Assad. Por enquanto, há três casos prontos contra o ditador. O primeiro aborda a criação e atuação da Célula Central para Administração de Crises (CCMC) entre março e setembro de 2011. Além de Assad, estão envolvidos neste caso o ministro do Interior, Mohammad al-Shaar, e o chefe da CCMC, Mohammed Said Bekheitan. Já o segundo processo aborda a forma como agiu o Escritório de Segurança Nacional (NSB), o qual engloba a chefia das quatro principais agências de inteligência e segurança da Síria. O terceiro caso envolve o comitê de segurança Deir ez-Zor, chefiado por políticos locais.
Um relatório produzido em dezembro de 2013 por uma comissão da ONU já havia indicado a participação de Assad e outros importantes funcionários do governo em crimes de guerra e contra a humanidade. Mas o chefe da CIJA, Bill Wiley, disse ao Guardian que os casos são diferentes, uma vez que os processos montados pelos investigadores incluem um sumário dos fatos, evidências concretas e estão de acordo com a aplicação da lei. De acordo com o jornal britânico, os casos estão “essencialmente prontos para ir à corte”. “A comissão da ONU não está preocupada em responsabilizar criminalmente um indivíduo, então ela não está preparando dossiês para os processos. Não é culpa dela, isso não faz parte de seu mandato. Nós focamos em crimes internacionais contra a lei humanitária e a responsabilidade criminal individual”, afirmou Wiley.
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A CIJA está de posse de meio milhão de páginas de documentos oficiais que provam a ocorrência de prisões em massa por motivos nebulosos. Os arquivos eram obtidos pelos investigadores sírios depois que prédios do governo eram abandonados ou tomados pela oposição. O contrabando da papelada devia ser feito sem que oficiais do Exército e grupos radicais suspeitassem que os investigadores trabalhavam para uma organização ocidental. “O trabalho causou muito estresse para minha família. Há longas ausências e um medo constante. Mas eu ainda acredito na causa da Justiça. Eu espero ver um dia uma corte que processará a chefia do governo e a fará pagar pelos crimes que cometeu”, disse o investigador chefe na Síria, identificado pelo Guardian como Adel para proteger sua verdadeira identidade.
Também foram realizadas cerca de 400 entrevistas com dissidentes sírios que deixaram o país. Uma outra investigação está em curso para determinar quais crimes de guerra foram cometidos por grupos de oposição. A apuração destes casos, no entanto, é voltada para depoimentos internos e a análise de materiais de propaganda e vídeos gravados por testemunhas. Mais de 470.000 vídeos foram arquivados pela CIJA até o momento. O Guardian aponta que diversos sistemas judiciários do Ocidente estão em contato com a CIJA para abrir processos contra o regime e a oposição do país. É improvável, contudo, que qualquer caso siga adiante sem que haja uma troca de poder em Damasco.
(Da redação)