Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Por que Trump combate a ampliação do voto por correspondência nos EUA?

Presidente americano alega risco de fraudes, mas críticas escondem estratégia eleitoral

Por Amanda Péchy Atualizado em 12 jun 2020, 10h00 - Publicado em 12 jun 2020, 00h39

Longas filas, escassez de urnas eletrônicas, estações de votação limitadas e extrema lentidão, devido às medidas de higiene para impedir a disseminação do coronavírus : as eleições primárias que ocorrem nos Estados Unidos estão oferecendo uma prévia do que pode acontecer, em novembro, quando os americanos voltarem às urnas para escolher o próximo presidente. Na última terça-feira, dia 9, a primária do estado da Geórgia ficou marcada pelo fiasco, registrando esperas de até oito horas dos eleitores, causada pelas limitações da pandemia no país.

Não é à toa, portanto, que o voto por correspondência seja apontado como uma solução para as eleições em tempos de Covid-19. Membros do Partido Democrata são os principais entusiastas da ideia, só que o atual líder dos Estados Unidos, Donald Trump, começou uma campanha para desacreditar o método, afirmando que votar pelo correio é uma receita para a fraude. “As cédulas de correio são muito perigosas para este país por causa de trapaceiros”, afirmou o presidente. Outro motivo apontado por ele chega a ser inusitado: Trump alega que crianças poderiam roubar cédulas nas caixas de correio e distribuí-las a eleitores.

Pelas redes sociais, como já se tornou habitual, o tom adotado foi ainda mais forte. No Twitter, o presidente publicou: “Não há como (ZERO!) as cédulas por correio serem nada mais que substancialmente fraudulentas. Caixas de correio serão roubadas, cédulas serão falsificadas e até impressas ilegalmente e assinadas fraudulentamente”. O tuíte levou a plataforma, pela primeira vez, a adicionar um aviso a uma das postagens do republicano, chamando suas alegações sobre fraude eleitoral de “sem fundamento”.

O ataque de Trump, no entanto, tem outras justificativas. Como nos Estados Unidos o voto é facultativo, a vitória dos candidatos à presidência depende da capacidade das campanhas engajarem o eleitorado, algo bem complicado em tempos de pandemia. A baixa adesão costuma favorecer o Partido Republicano que, na última eleição, venceu graças ao sistema de votação por colégio eleitoral, mas recebeu menos votos do que o Partido Democrata. Além disso, a estratégia pode abrir brecha para que Trump conteste um resultado que não lhe favoreça.

Continua após a publicidade

Ele já havia levantado dúvidas sobre as eleições de 2016 ao alegar, sem evidências, que 5 milhões de americanos votaram ilegalmente. Mas este posicionamento é particularmente alarmante este ano, em que muitos americanos cogitam votar pela primeira vez pelo correio.

Durante uma entrevista ao programa The Daily Show, na última quarta-feira 10, o ex-vice-presidente e candidato democrata Joe Biden abandonou qualquer sutileza ao afirmar que a retórica de Trump é sua “maior preocupação”. “Este presidente tentará roubar essa eleição”, disse Biden.

Demora na apuração

Um aumento de votos à distância também pode contribuir para a narrativa trumpista, já que o aumento de cédulas enviadas pelo correio deve elevar o tempo da apuração.

Continua após a publicidade

“Nas últimas eleições presidenciais, a maioria dos votos tardios foram democratas”, diz Charles Stewart III, professor de ciência política do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e especialista em eleições. Ele chega a desenhar um cenário propício para as artimanhas do presidente americano. “Os resultados na noite da eleição podem dar a liderança a Trump, que se declarará vencedor, e quando sua liderança evaporar, vai contestar o resultado alegando fraude.”

Segundo Stewart, governos estaduais e a imprensa devem deixar claro que esperam um atraso na divulgação dos resultados oficiais – que pode chegar a até uma semana.

Algo semelhante já aconteceu em 2018. Na época, o Partido Republicano sugeriu que havia algo de errado quando, na corrida pelo Congresso da Califórnia, democratas obtiveram mais votos no dia seguinte às eleições, após a chegada dos votos pelo correio. Na Flórida, Trump e o governador do estado, Rick Scott, acusaram autoridades eleitorais de fraude pelo mesmo motivo, desta vez, em uma eleição ao Senado.

Continua após a publicidade

Voto seguro

Nas duas últimas eleições presidenciais, um em cada quatro americanos votou pelo correio. Em cinco estados – Colorado, Havaí, Oregon, Utah e Washington – o correio tem sido o principal método de votação, e não houve escândalos de fraude eleitoral. Em 2018, mais de 31 milhões de americanos exerceram o dever cívico pelo correio, cerca de 25,8% dos participantes das eleições.

De acordo com o Brennan Center for Justice, uma think tank de direito e políticas públicas, embora as cédulas por correio sejam mais suscetíveis à desvios e falsificações, apenas 491 casos de fraude eleitoral no sistema por correspondência foram registradas entre 2000 e 2012. Estatisticamente, é mais provável que um americano seja atingido por um raio.

Além disso, existem estratégias para desencorajar a fraude. No envelope de votação, o eleitor precisa ser identificado com data de nascimento e número da carteira de motorista ou da Previdência Social. Códigos de barra nos envelopes permitem que autoridades acompanhem o processamento das urnas e que os eleitores saibam se seu voto foi computado, além de eliminar possíveis cédulas duplicadas. Penalidades severas também inibem o crime, que pode resultar em até cinco anos de prisão e multas de até 10 mil dólares.

Continua após a publicidade

Tiro no pé

Apesar de Trump questionar a legitimidade do resultado das eleições antes mesmo delas ocorrerem, sua campanha contra o voto à distância pode sair pela culatra. A maioria dos eleitores que utiliza o método é democrata e alguns republicanos alertaram que, se essa lacuna partidária continuar até novembro, o presidente e seus aliados podem ficar em desvantagem.

Dos 1,5 milhões de pedidos de cédulas de correio na Pensilvânia, 75% vieram de democratas. No Novo México, foram 71%, e em Iowa – onde democratas representam 50% do eleitorado –, 56%.

Mesmo assim, não há evidências de que votar pelo correio concede vantagem a um determinado partido. Segundo o portal de análise política Fivethirtyeight, como mais distritos democratas usam a votação por correio, pode parece que o Partido Democrata é beneficiado. No entanto, em 2016, os distritos onde Trump ganhou tiveram uma parcela maior de cédulas por correio.

Continua após a publicidade

Demanda sem precedentes

Arroubos eleitorais à parte, o que mais preocupa especialistas é um outro aspecto. Uma série de questões logísticas e de infraestrutura, se não atendidas corretamente, pode diminuir a quantidade de votos apurados e, consequentemente, o tamanho da representatividade. Não é trivial impedir problemas como  cédulas perdidas no correio, com a data errada, desvios de endereço e atrasos.

“O volume de cédulas que o Serviço Postal dos Estados Unidos precisará processar será sem precedentes”, diz Richard Pildes, professor de direito constitucional da New York University (NYU). “Não sabemos até que ponto o Serviço Postal consegue atender a essas demandas, especialmente estando ele próprio debilitado devido à pandemia”.

A Inglaterra adotou o método logo após a Primeira Guerra Mundial para militares. Ao longo de décadas, o sistema foi sendo paulatinamente ampliado para determinadas categorias de civis, até ser totalmente generalizado em 2000. Em algumas regiões do país, mais de 40% do total da votação é feita pelo correio. Ao ampliar o voto por correspondência, os Estados Unidos tentam trilhar o mesmo caminho. Só não contavam que, além das dificuldades habituais, iriam encontrar no Presidente da República o seu maior obstáculo.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.