Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Peter Hakim: Os americanos estão ressabiados com Bolsonaro

No artigo abaixo, o presidente emérito da ONG Diálogo Interamericano afirma que o entusiasmo com o presidente está minguando até na Casa Branca

Por Peter Hakim*
Atualizado em 16 ago 2019, 14h59 - Publicado em 16 ago 2019, 06h45

O Brasil não importa muito aos Estados Unidos, ­como a maioria das nações latino-americanas. Jamais foi visto como uma ameaça à segurança nem como país com imensa oportunidade econômica. Raramente desempenhou o papel de parceiro essencial nos assuntos regionais e internacionais. Embora sejam amistosos, os laços entre Estados Unidos e Brasil são marcados por uma cooperação limitada em itens de importância secundária, pelas inúmeras áreas de discordância e por algumas desagradáveis colisões. Essas relações se tornaram especialmente frias e distantes nos últimos seis anos, período em que Brasília se concentrou em suas crises de governança e econômica e deixou os Estados Unidos ressabiados de engajar-se com o país. Nesse intervalo, Washington orientou suas prioridades para as nações em guerra do Oriente Médio e as ameaças terroristas, para o crescimento rápido da China e os desafios de segurança impostos por Pequim, Moscou e Teerã.

A reação entusiástica do presidente Trump à vitória de Jair Bolsonaro na eleição de 2018 não chegou a ser uma surpresa. Ele parecia ter encontrado um homem forte com quem se entrosar na América Latina. Chamado de “Trump tropical”, Bolsonaro compartilha com o americano o temperamento explosivo, a falta de bons modos, o intenso nacionalismo e a visão de extrema direita. Bolsonaro apoiou incondicionalmente as medidas de política externa da Casa Branca, seja para refrear o Irã, seja para conter a China ou para dar completo aval a Israel. Da negação da mudança climática à pressão pela queda do regime da Venezuela, Bolsonaro alinhou sua agenda à americana e até propôs a instalação de uma base dos EUA no Brasil, rapidamente vetada pelos líderes militares.

Logo após o triunfo de Bolsonaro, Trump lhe telefonou para propor que as duas nações se posicionassem “lado a lado” como “líderes regionais das Américas”. Em março, Bolsonaro viajou a Washington para sua primeira visita bila­teral, quebrando a tradição brasileira de priorizar Buenos Aires. Promessas extravagantes de amizade e de colaboração foram feitas, e a visita foi um exercício incomum de camaradagem entre os dois gigantes do hemisfério.

+ Livro em branco ‘listando’ qualidades de Bolsonaro repete sátira a Trump

No entanto, nem todos os americanos compartilham a visão da Casa Branca sobre Bolsonaro. Menos de dois meses depois, ele voaria a Nova York para ser homenageado pela Câmara de Comércio Brasileira-Americana. Assim que a agenda se tornou pública, a cerimônia foi alvo de protestos e de editoriais contra seus planos de reduzir a proteção à Floresta Amazônica. Bolsonaro foi acusado de racismo, indiferença aos direitos humanos e desrespeito às mulheres, aos indígenas e à comunidade LGBT. Sua apologia dos 21 anos de ditadura militar no Brasil foi duramente criticada. O prefeito de Nova York declarou que ele não seria bem-vindo. O Museu de História Natural cancelou o contrato para sediar o evento, transferido para Dallas, e empresas americanas retiraram o apoio financeiro à cerimônia. Trump, claro, foi igualmente alvo da retórica condenatória dirigida a Bolsonaro.

Continua após a publicidade

“A indicação do próprio filho para Washington levanta dúvidas sobre a tomada de decisões por Bolsonaro”

Mesmo na Casa Branca de Trump, o entusiasmo pelo presidente do Brasil está minguando. Seus sete meses no governo revelaram-se caóticos, com conflitos entre seus colaboradores e escândalos que envolveram seus familiares e principais ministros. Os líderes do Congresso — e não do Executivo — encaminharam e gerenciaram a aprovação na Câmara dos Deputados da reforma da Previdência, a legislação mais relevante a tramitar em anos. A aprovação de Bolsonaro nas pesquisas de opinião, embora ainda respeitável, tem caído desde sua posse.

Bolsonaro também foi forçado a recuar em suas promessas de alinhar as políticas do Brasil às dos Estados Unidos. Ele reverteu a decisão de retirar o país do Acordo de Paris sobre Mudança do Clima, o que poderia ter ameaçado a conclusão do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia. Não conseguiu travar a rápida expansão do comércio e dos vínculos tecnológicos entre o Brasil e a China e adiou a mudança da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém quando se deu conta de que os 10 bilhões de dólares em exportações brasileiras para o Oriente Médio correriam perigo e depois de alertado sobre o potencial risco de o Brasil atrair o terrorismo jihadista.

Washington está ciente do poder e do prestígio limitados do Brasil na América Latina. Apesar de seu tamanho, população e riqueza, o país atualmente não exerce liderança real na região. Sua contribuição para a solução da crise da Venezuela, o desafio mais crítico dos Estados Unidos na América do Sul, não é maior que a de meia dúzia de outras nações. Líderes latino-americanos mais moderados e pragmáticos estão cautelosos com Bolsonaro e sua agenda de extrema direita e perturbados com sua idolatria ao governo de Trump, que humilha e ofende os países da região.

Continua após a publicidade

Em vez de construir uma parceria robusta com os Estados Unidos, a trajetória de Bolsonaro pode levar o Brasil a enfrentar uma enorme indiferença de Washington. Sim, Trump disse querer um acordo de livre-comércio com o Brasil. Mesmo que o Brasil consiga encontrar nas regras do Mercosul um meio para negociar bilateralmente, as conversas se estenderão por muitos anos e vão requerer do país a abertura de uma economia altamente protegida. Washington terá de remover velhas barreiras agrícolas politicamente sensíveis. O acordo não será fácil de ser alcan­çado, como os ex-líderes dos dois países atestam.

Se Trump for derrotado na eleição de 2020, o presidente brasileiro poderá ver-se diante de um governo democrata hostil. Principalmente se continuar a expressar-se a favor do trabalho infantil, do fim das proteções aos povos indígenas e da prisão ou expulsão de jornalistas do país e a negar as provas científicas do aumento acentuado do desmatamento da Amazônia brasileira neste ano. É difícil prever como o plano de Bolsonaro de preencher o posto vital de embaixador do Brasil nos Estados Unidos com o nome de seu filho, que não tem o mínimo preparo ou experiência para o cargo, poderá afetar os laços bilaterais. Alguns argumentam que isso facilitará a comunicação entre Trump e Bolsonaro. Mas não existe nenhum problema nessa área. Os presidentes e seus auxiliares já têm acesso fácil entre eles. O filho do presidente será julgado, sobretudo, por sua capacidade de levar adiante as múltiplas e complexas tarefas de um embaixador em Washington. Até agora, essa indicação somente serve para levantar dúvidas sobre o processo de tomada de decisões do próprio Bolsonaro.

* Peter Hakim é presidente emérito do Diálogo Interamericano, ONG americana de lobby político

Publicado em VEJA de 21 de agosto de 2019, edição nº 2648

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.