O influente exército de Mianmar tomou o poder no país nesta segunda-feira, 1, e prendeu integrantes do governo, inclusive a líder política Aung San Suu Kyi, vencedora do Nobel da Paz em 1991, e o presidente do país, Win Myint.
Os militares justificaram o golpe, alegando “enormes irregularidades” nas eleições parlamentares de novembro que não foram solucionadas pela Comissão Eleitoral. “Como a situação deve ser resolvida de acordo com a lei, declara-se o estado de emergência”, afirma um comunicado divulgado.
O Exército afirmou que a tomada de poder, sem atos de violência, é “necessário para preservar a estabilidade”. Os militares ainda prometeram organizar eleições “livres e justas” ao final do estado de emergência. As legislativas de novembro foram vencidas por ampla maioria pelo partido de Aung San Suu Kyi, a Liga Nacional para a Democracia (LND), que estava no poder desde as eleições de 2015.
A vencedora do Nobel e o presidente da República, Win Myint, e outros líderes do partido foram presos em Naypyidaw, a capital do país, informou Myo Nyunt, porta-voz da LND, poucas horas antes da primeira sessão do Parlamento formado em novembro. Após sua detenção, Aung San Suu Kyi pediu em uma mensagem à população que “não aceite o golpe de Estado”, em uma carta publicada por seu partido.
Os militares bloquearam as estradas ao redor da capital com tropas armadas, caminhões e veículos blindados de transporte, enquanto os helicópteros militares sobrevoavam a cidade. Em seu canal de televisão, o Exército anunciou o estado de emergência com duração de um ano e afirmou que o ex-general Myint Swe será o presidente em exercício nos próximos 12 meses.
As forças ainda atuaram rapidamente para reprimir a dissidência, com restrições às comunicações por Internet e por telefones celulares em todo país. Em Yangun, a antiga capital do país que continua sendo o centro econômico do país, as tropas assumiram o controle da Prefeitura pouco antes do anúncio. Os bancos fecharam as portas temporariamente.
Vários caminhões com simpatizantes do Exército exibindo bandeiras de Mianmar e cantando hinos nacionalistas transitaram em Yangun após o golpe. Alguns membros da LND afirmaram que as forças de segurança ordenaram que permanecessem em casa. O ministro-chefe do estado de Karen e outros ministros regionais também foram detidos, segundo fontes do partido.
Condenação internacional
O golpe de Estado provocou uma avalanche de condenações internacionais. Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia criticaram de maneira imediata o golpe, enquanto a China se limitou a pedir às partes envolvidas que “solucionem suas diferenças”.
“O governo dos Estados Unidos se opõe a qualquer tentativa de alterar o resultado das recentes eleições (…) vamos adotar ações contra os responsáveis”, advertiu a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, em um comunicado.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, “condenou firmemente” a detenção de Aung San Suu Kyi. “Estes atos representam um duro golpe para as reformas democráticas em Mianmar”, completou.
Mianmar saiu há apenas dez anos de um regime militar que governou o país durante quase meio século. Os dois últimos golpes de Estado desde a independência do país em 1948 aconteceram em 1962 e 1988.
Os militares denunciavam há várias semanas mais de 10 milhões de casos de fraudes nas eleições legislativas de novembro. Eles exigiam que a Comissão Eleitoral comandada pelo governo publicasse a lista dos eleitores para uma verificação, o que não aconteceu.
Os temores aumentaram quando o comandante do Exército, o general Min Aung Hlaing, o homem mais poderoso de Mianmar, declarou que a Constituição poderia ser “revogada” sob certas circunstâncias.
Relação complicada
O partido de Aung San Suu Kyi, prêmio Nobel da Paz de 1991, obteve uma grande vitória em novembro, apesar das muitas críticas por sua gestão da crise dos muçulmanos rohingyas. Quase 750.000 membros desta minoria fugiram dos abusos do Exército e das milícias budistas em 2017 e se refugiaram em acampamentos em Bangladesh, uma tragédia que levou Mianmar a ser acusada de “genocídio” na Corte Internacional de Justiça (CIJ), o principal órgão judicial da ONU.
A votação de novembro foi a segunda eleição geral desde 2011, quando a junta militar foi dissolvida. Em 2015, a LND venceu por ampla maioria, mas se viu obrigada a compartilhar o poder com o Exército, que controla três ministérios cruciais (Interior, Defesa e Fronteiras).
Exilada durante muito tempo no Reino Unido, Aung San Suu Kyi, de 75 anos, retornou a Mianmar em 1988 e se tornou a principal figura da oposição ante a ditadura militar. Ela passou 15 anos em prisão domiciliar antes de ser libertada pelo Exército em 2010.
(Com AFP)