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‘Foram os dois meses mais difíceis da minha vida’, afirma Ana Paula Maciel

A bióloga brasileira e ativista do Greenpeace que ficou dois meses presa na Rússia conta sua experiência ao site de VEJA. Confiante na absolvição de todos os tripulantes detidos, ela descartou deixar o país antes do julgamento

Por Diego Braga Norte 26 nov 2013, 17h41

A bióloga brasileira Ana Paula Maciel, presa em 19 de setembro junto com outros 29 tripulantes do navio do Greenpeace Arctic Sunrise, ficou exatos dois meses detida na Rússia. Primeiro ela ficou encarcerada em uma prisão de Murmansk, no Ártico, e depois em São Petersburgo, no noroeste do país. Com 31 anos de idade, ela está há dez no Greenpeace e há sete como tripulante dos navios da entidade. Ana Paula não é marinheira de primeira viagem, mas a prisão a abalou. “Foram os dois meses mais difíceis da minha vida”. Libertada sob fiança desde o dia 20 de novembro, a ativista está feliz – sua mãe foi reencontrá-la na Rússia – e confiante na absolvição de todos os tripulantes, acusados de vandalismo após protestarem contra uma petroleira no Ártico. Sob risco de ser condenada a sete anos de reclusão, a bióloga descarta deixar o país antes do julgamento – mesmo com o passaporte em mãos: “Não posso ser condenada por algo que eu não fiz”. Confiram abaixo os principais trechos da conversa de Ana Paula com o site de VEJA.

Como você está se sentido e quais são os seus planos? Agora é só alegria, principalmente depois da chegada da minha mãe aqui na Rússia. Vou seguir em São Petersburgo aguardando o julgamento e espero que tudo acabe em uma ou duas semanas [a Justiça russa ainda não definiu a data do julgamento].

Quais são suas perspectivas para o julgamento? Há três possibilidades, a Justiça russa pode pedir mais tempo para a investigação, pode nos condenar até sete anos de cadeia ou nos absolver. Esperamos que tudo se resolva da melhor maneira possível para que possamos voltar aos nossos países e às nossas famílias. Estou com o meu passaporte, mas todos nós vamos ficar aqui até o final do julgamento. Precisamos estar perto da investigação para atender aos chamados da Justiça russa. Nossos advogados avaliaram que seria mais seguro se nós todos nos mantivermos aqui e colaborarmos com a investigação.

Você teme ser presa? Eu acredito que se a Justiça russa for mesmo justa, não tenho o que temer. Não posso ser condenada por algo que eu não fiz. Não houve vandalismo. Somos pacíficos e não cometemos o crime pelo qual somos acusados.

Dos 30 tripulantes, você foi a primeira a sair da cadeia. Houve algum motivo especial? Não, foi coincidência, dei sorte. Do nosso grupo ainda temos ‘dois presos’, o radio-operador australiano Colin Russell e o nosso navio Arctic Sunrise. O Colin foi condenado a esperar mais três meses na prisão, enquanto todos nós saímos, não entendi o motivo disso. O Arctic Sunrise está congelando lá no porto de Murmansk. O barco está com metros de neve no convés. Esperamos que a Rússia obedeça a decisão judicial do Tribunal Internacional do Direito Marítimo, pois são esses organismos internacionais que tentam manter a ordem geral no mundo. [Após acatar pedido da Holanda, o Tribunal Internacional do Direito Marítimo determinou que a Rússia liberte os 30 tripulantes e o navio, mas Moscou comunicou que não irá aceitar a decisão da Corte].

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Como foi o período em que você passou presa? Como eram as condições das cadeias? As celas tinham tudo o que nós necessitávamos, mas evidentemente sem luxo. Tinham uma cama, um colchão fininho e cobertores. Os guardas foram gentis e o problema da comunicação era resolvido com muita paciência. Os terrores psicológicos decorrentes da permanência diária por 23 horas numa cela são o suficiente para a desestabilização emocional. Tive muitos altos e baixos dentro da cadeia. Recebia notícias através da advogada que me visitava frequentemente. Fiquei sabendo o quanto o mundo reagiu contra o governo russo. E com as notícias, eu sentia um pouco de conforto. Foram os dois meses mais difíceis da minha vida.

Quais são suas piores lembranças e os momentos mais difíceis? O início em Murmansk foi o pior período. Cada um de nós reagiu de maneira diferente. O primeiro mês em Murmansk foi, sem dúvida, o mais difícil para mim. Eu chorei muito pela sensação de insegurança, mas nunca porque me arrependi. Não fiz nada de errado, era um protesto pacífico como o Greenpeace faz há 40 anos em todo o mundo. Eu não sabia direito o que estava acontecendo e isso aumentava a insegurança; chorei muito. Mas chegou um momento em que cansei de chorar. Eu me olhava no espelho e dizia para mim: “Pare de chorar”. Busquei me equilibrar e manter uma atitude positiva.

Como era sua rotina na prisão? Você permaneceu com as outras ativistas presas? Pela legislação russa, os 30 tripulantes deveriam ficar isolados uns dos outros. Há uma lei federal russa que proíbe membros de um grupo investigados pelos mesmos crimes de trocar informações. Ficamos isolados uns dos outros, mas tínhamos companheiros de cela russos. Eu fiquei sozinha na cela durante um mês e uma semana em Murmansk – não fazia nada, só chorava e aguardava as visitas da minha advogada. Depois, colocaram uma presa russa comigo, acusada de porte de drogas. Em São Petersburgo eu tive duas outras companheiras de cela, uma do Uzbequistão e outra da Ucrânia. Eu tive muita sorte, pois muitos dos tripulantes tiveram problemas em se relacionar com seus companheiros de cela. Eu me comunicava com as outras detentas por mímicas e gestos, como aquele jogo ‘Imagem & Ação’. Dei sorte porque eram pessoas fáceis de lidar, que não procuravam problemas de relacionamento. Houve muito respeito mútuo já que estávamos todas na mesma situação.

Como foi a chegada da guarda costeira russa e o momento da prisão? A abordagem foi feita em águas internacionais, onde nenhum país tem jurisdição. Portanto, a abordagem foi ilegal. Eles chegaram com um helicóptero militar gigantesco e ficaram pairando sobre o heliporto do nosso navio a uma distância de, no máximo, seis metros de altura. O vento da hélice era impressionante, as pessoas não conseguiam caminhar no convés para chegar no heliporto e impedir o pouso. Aí eles começaram a descer pelas cordas usando balaclavas que cobriam os rostos deles, de uniforme militar, e com armamento pesado. Foi fantástico e assustador viver aquilo, parecia um filme de guerra.

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Houve violência? Você teve medo? Sim, houve. E acho que todos nós sentimos medo. Os soldados começaram a apontar as armas pedindo para que as pessoas se ajoelhassem e se inclinassem com a cara no chão e as mãos para trás, nas costas. A comunicação foi muito difícil, eles só falavam em russo e alguns de nós não entendíamos o que eles queriam. Acredito que eles usaram a violência contra alguns tripulantes pela falta de entendimento. Fizeram alguns de nós nos deitarmos no chão usando a força, empurrando, apontando as armas em nossa direção. (Continue lendo o texto)

Como foi o seu contato com a embaixada brasileira na Rússia? O consulado do Brasil na Rússia esteve em contato comigo desde o primeiro dia de prisão. Quando cheguei no porto de Murmansk já tinha uma funcionária brasileira de Moscou na cidade. Depois, com o passar do tempo, houve o pedido de soltura oficial da presidente Dilma Rousseff para o secretário russo das Relações Exteriores. Acredito que eles fizeram tudo o que estava ao alcance para me ajudar.

Depois da sua liberdade mediante o pagamento da fiança, você já refletiu sobre todo episódio? Chegou a alguma conclusão? Pode ser especulação da minha parte, mas eu penso que a pressão dos governos, das pessoas e a repercussão na mídia tiveram peso em nossa liberdade sob fiança. Não gosto da ideia de ser uma pessoa famosa, mas acho que essa exposição valeu a pena, foi por uma boa causa, divulgou nossas bandeiras e nos ajudou.

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Quando você voltar ao Brasil, o que pretende fazer? Quando voltar eu quero ficar em silêncio e no meio da natureza, apenas isso.

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