Em busca de nova imagem, príncipe Salman faz cruzada ecológica
Enquanto empreende guerra contra o Iêmen e intensifica repressão interna, Mohammad Bin Salman adere à bandeira da sustentabilidade
Responsável por empreender uma guerra sangrenta contra o vizinho Iêmen e pela repressão política a oposicionistas – em 2018, seu governo envolveu-se diretamente no assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, na Turquia – o príncipe Mohammad Bin Salman tenta, a todo custo, limpar sua imagem junto ao Ocidente.
Agora, Salman, também conhecido como MBS, parece ter encontrado uma bandeira ideal: a sustentabilidade.
O ditador vem implantando uma série de projetos que prometem transformar seu reino num paraíso ecológico até o final desta década.
A ideia, garante MBS, é preparar a Arábia Saudita para um futuro em que o petróleo não será mais necessário para a economia global.
Se der certo, o feito será de fato revolucionário.
A Arábia Saudita é hoje o maior exportador de petróleo do mundo e tem as maiores emissões de dióxido de carbono per capita entre os países do G-20. O poluente é o principal causador do efeito estufa.
A empreitada foi batizada como “Visão 2030” e tem como epicentro a sufocante capital saudita, Riad.
Encravada no deserto, a metrópole de 8 milhões costuma registrar temperaturas de 47°C entre os meses de junho e setembro, auge do verão. Riad tem paisagem estéril e dispõe de pouquíssima vegetação.
A capital saudita enfrenta graves problemas derivados de seu crescimento acelerado. Desde a década de 1950, a população local multiplicou-se por 50.
O boom do petróleo fez com que a metrópole crescesse sem planejamento, com avenidas largas e pouco sombreadas, calçadas desconexas ou inexistentes, falta de espaços públicos voltados para o lazer e grave escassez de água. Não há rede de transporte público e praticamente tudo precisa ser feito de carro.
Tudo isso, promete Mohammad Bin Salman, mudará em breve.
O príncipe planeja tornar Riad um polo de atração global de talentos, que, segundo ele, terão o privilégio de viver num oásis de qualidade de vida e proteção ambiental.
Segundo o projeto, Riad vai dobrar sua população nos próximos 10 anos e competir diretamente com outras estrelas do Oriente Médio, como Dubai e Tel Aviv.
MBS sabe que seria impossível atrair talentos da Europa, Austrália, Estados Unidos e Canadá para uma cidade tão hostil.
E por isso, planeja gastar bilhões de dólares da receita do petróleo numa reengenharia completa do cotidiano local.
A mudança incluirá transporte público de ponta, veículos elétricos, parques em todos os bairro e milhões de árvores a mais.
Para torná-la esse exemplo global de urbanismo, as autoridades preveem investimendos da ordem de 92 bilhões de dólares, cerca de 500 bilhões de reais, em melhorias.
O plano prevê o plantio de 15 milhões de árvores, reutilização de 100% da água consumida por seus moradores para irrigação, implantação de frota elétrica de carros e ônibus e um sistema de metrô capaz de transportar 4 milhões de pessoas por dia.
Uma das maiores intervenções previstas, por sinal, já está a pleno vapor. Trata-se do parque King Salman. Erguido em pleno deserto estéril, ele será coberto por jardins suntuosos, que deverão ocupar uma extensão quatro vezes maior que a do Central Park, em Nova York.
Riad deverá ser verde o suficiente para reduzir sua temperatura média em 2°C.
A cobertura vegetal também deverá proteger a cidade das mudanças climáticas, que vem intensificando as ondas de calor no Oriente Médio.
O príncipe MBS também já tem exemplos práticos para exibir. Entre eles está a região de Wadi Hanifah, um vale que atravessa Riad.
Durante décadas, essa área serviu como depósito de lixo e para o descarte de rejeitos da construção civil
O programa para reabilitá-lo já deu certo, e hoje o Wadi Hanifah é ocupado por áreas de lazer. Há ciclovias e áreas para piqueniques e churrascos, todas elas protegidas por vasta vegetação.
Com tanto dinheiro para gastar, é provável que a Arábia Saudita consiga se transformar num polo de políticas sustentáveis. Bem mais difícil, porém, será modernizar a imagem de Mohammad Bin Salman.