Na última semana, as embaixadas da Itália e da Alemanha emitiram notas aconselhando seus cidadãos no Brasil a regressarem por conta da expansão da pandemia do novo coronavírus. Medidas tão extraordinárias de governos estrangeiros são inéditas por aqui desde a redemocratização, apesar de outros países já terem aconselhado seus nacionais a evitarem viagens a determinadas regiões brasileiras no passado ou a agirem de forma cuidadosa durante surtos de outras doenças ou ondas de violência.
A razão para tamanho desespero vai além da escalada no número de casos de Covid-19 no Brasil. Mas, como o turismo foi impactado drasticamente pelas políticas de controle da enfermidade no mundo, diversas companhias aéreas estão deixando de operar voos para fora do país. Os governos estrangeiros temem que seus cidadãos fiquem presos no território brasileiro, sem ter como voltar.
Em um “aviso urgente” publicado no sábado 11, a Itália se dirigiu aos seus cidadãos que tenham residência fixa na Itália, mas que estejam no Brasil por um período de “curta duração”. No comunicado, a Embaixada em Brasília pede aos italianos que voltem “o mais rápido possível”. Roma ainda diz que os regressados devem cumprir alguns procedimentos, como comunicar imediatamente a chegada à autoridade de saúde; ser submetido à Vigilância Sanitária; e fazer um isolamento social obrigatório por um período de 14 dias em sua residência.
A Itália é um dos países mais afetados pelo coronavírus, com 165.155 casos e 21.645 mortes. No Brasil, porém, foram contabilizados até o momento 28.320 infecções e 1.736 óbitos.
Um dia antes de o governo italiano se pronunciar, porém, a embaixada da Alemanha já havia emitido um pedido semelhante aos cidadãos alemães que passam férias no Brasil. Em documento assinado pelo embaixador Georg Witschel, a representação do país europeu no Brasil solicita a debandada com urgência, destacando, inclusive, a escalada da pandemia no país.
“Devido a este avanço, há temores de que a situação aqui se agrave rapidamente. Em alguns estados, os sistemas de saúde já estão muito ocupados. Enquanto isso, o risco de se infectar e adoecer está aumentando”, diz o comunicado de Witschel.
Desde o início da pandemia, diversos países vêm emitindo recomendações a seus cidadãos para que retornem para casa enquanto as linhas aéreas comerciais ainda estão operando no Brasil. Normalmente, esses comunicados fazem referência genérica à pandemia e não mencionam países específicos, como fizeram recentemente a Itália e a Alemanha.
Desordem
Governos estrangeiros já tinham emitido comunicados alertando seus cidadãos sobre riscos no Brasil, porém sem aconselhar o retorno imediato. Foi o que aconteceu durante as epidemias de Zika Vírus, em 2017, e da dengue, entre o final de 2001 e todo verão de 2002.
No início de 2020, a Embaixada dos Estados Unidos também emitiu um comunicado com algumas medidas de segurança aos cidadãos americanos que moram no país. Diplomatas pedem que os seus cidadãos “mantenham a discrição, estejam alertas sobre seu entorno, fiquem atentos aos locais frequentados por turistas, revejam os planos de segurança pessoal e tenham documentos de viagem atualizados e facilmente acessíveis”.
Apesar de ser inédita no Brasil, a medida tomada por Itália e Alemanha é vista como “compreensível” diante do contexto mundial pelo diplomata e ex-ministro Rubens Ricupero. “É compreensível, pois realmente há muitas dificuldades para viagens internacionais”, pondera o embaixador, que comandou a Embaixada do Brasil em Washington e o Ministério da Fazenda.
“Porém, também há nesses comunicados uma preocupação com o agravamento da situação no Brasil, explícita principalmente pela Alemanha”, diz. “Pode ser um pouco desagradável para o amor próprio brasileiro, mas não é raro que países europeus adotem esse tipo de comportamento em situações de risco”.
Ricupero ainda afirma que a preocupação é provavelmente fruto do comportamento caótico do governo brasileiro e, principalmente, do presidente Jair Bolsonaro. “Embora os países evitem falar nisso, há uma aflição quanto à confusão criada pelo governo que diz uma coisa, o ministro da Saúde que fala outra, e os governadores que tomam um terceiro caminho”, diz. “Se isso causa desordem entre os próprios brasileiros, imagine entre os estrangeiros”.
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