A Câmara dos Deputados do Chile vota nesta segunda-feira, 8, um pedido de impeachment do presidente Sebastián Piñera por supostas irregularidades cometidas em um caso revelado pelos vazamentos dos Pandora Papers. Apresentada pela oposição, a acusação constitucional foi feita poucos dias depois de o Ministério Público abrir uma investigação contra o mandatário pela prática de suborno e crimes fiscais.
O processo de impeachment ocorre durante os últimos meses do mandato de Piñera, que tem cerca de 70% de desaprovação. Dono de uma das maiores fortunas do país, ele já havia sido alvo de outro pedido de impeachment, em 2019, mas foi absolvido.
Para prosperar, o impeachment precisa de maioria simples na Câmara. O pedido então seria encaminhado ao Senado, que atuaria como júri, e onde precisa de 2/3 dos votos para ser aprovado.
Na última sexta-feira, no entanto, o processo sofreu um forte revés. Em votação não vinculativa, uma comissão de deputados que analisou o caso rejeitou a admissibilidade do julgamento, recomendando que ele não prospere.
Apesar do relatório negativo emitido pela comissão, no qual dois deputados de direita votaram contra, dois opositores votaram a favor e um independente se absteve, o procedimento continuará como previsto.
O presidente, que apresentou a sua defesa por escrito na semana passada, defendeu em duas aparições públicas que ele se dissociou dos seus negócios em 2009 e que o que foi revelado pelos Pandora Papers já foi investigado e esclarecido em 2017.
“Sem atos que constituam um crime é impossível estabelecer responsabilidades. Acusar o presidente constitui um ato de tal gravidade que as suas consequências para o futuro político e social poderiam causar danos irreparáveis”, disse Paula Núñez, do partido governista.
Acusação
No início de outubro, o Ministério Público chileno anunciou a abertura de uma investigação contra Piñera após os vazamentos dos Pandora Papers revelarem supostas irregularidades na venda de suas ações em um megaprojeto de mineração em 2010 nas Ilhas Virgens Britânicas.
A apuração liderada liderada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) com a participação de diversos veículos em 117 países e territórios, revelou que alguns líderes mundiais em atividade se beneficiaram do sistema offshore para esconder ativos em empresas e fundos sigilosos.
Os chamados Pandora Papers, um conjunto de mais de 11,9 milhões de documentos confidenciais vazados, se concentram nas finanças secretas de mais de 300 funcionários públicos, incluindo ministros, juízes, prefeitos e generais de mais de 90 países em todo o mundo. O ministro da economia brasileiro, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, também são citados. Ambos foram acusados pela investigação de criarem empresas em paraísos fiscais em segredo.
No caso de Piñera, o consórcio revelou em uma das reportagens que a empresa Minera Dominga foi vendida em 2010 ao empresário Carlos Alberto Délano, amigo da família presidencial chilena, em uma transação de US$ 152 milhões feita em parte no paraíso fiscal caribenho.
O pagamento deveria ser feito em três prestações, mas a última estava condicionada à não declaração de proteção ambiental da área, embora a mina ameaçasse uma reserva natural com pinguins únicos, de acordo com o ICIJ.
A proteção ambiental dependia de Piñera, empossado em primeiro mandato poucos meses antes da venda do projeto, atualmente aprovado por um tribunal ambiental regional, mas pendente de recursos da Suprema Corte.
O objetivo central do inquérito é determinar se o contrato de venda previu a controversa cláusula da última prestação, uma questão que não foi incluída na investigação que o próprio Ministério Público abriu em 2017 e acabou sendo rejeitada.
“O contrato em inglês nas Ilhas Virgens Britânicas não foi incorporado na investigação (de 2017), motivo pelo qual é um novo antecedente”, indicou a diretora anticorrupção do Ministério Público Nacional, Marta Herrera.
Piñera nega qualquer irregularidade e diz que se desassociou das empresas antes de se tornar presidente, “há mais de 12 anos”, e que a informação publicada, incluindo a cláusula, já era conhecida e foi investigada em 2017.