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Democratas nos EUA: divididos e com um personagem novo no jogo

Enquanto isso, Trump se livra do impeachment e discursa triunfal para o Congresso

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 jul 2020, 19h29 - Publicado em 7 fev 2020, 06h00

Acabou a impressão de que a eleição presidencial americana ainda estava longe de acontecer. Com a avalanche de fatos que sacudiram os Estados Unidos nos últimos dias, a votação de 3 de novembro ficou concreta e próxima do cotidiano dos eleitores. A campainha mais estridente partiu de Iowa, estado agrícola do Meio-Oeste onde é dado o pontapé inicial nas primárias que vão definir os candidatos democrata e republicano à Presidência. O republicano, todo mundo já conhece: Donald Trump, candidatíssimo à reeleição. Nas divididas hordas democratas, em que o processo começou com mais de duas dezenas de interessados, anda tudo embolado. Até a quinta-feira 6, quem despontava na frente em Iowa, ao lado do senador Bernie Sanders, era um nome que nunca decolou, sempre oscilando entre o quarto e o quinto lugar nas sondagens do partido: Pete Buttigieg, 38 anos, ex-­prefeito de uma cidade de Indiana, no mesmo Meio-Oeste. A senadora Elizabeth Warren vinha em seguida. Distante e em situação desconfortável para quem já foi o favorito para duelar com Trump, aparecia Joe Biden, ex-­vice de Barack Obama.

Enquanto os votos democratas eram ainda contabilizados, o Senado se preparava para a decisão final e definitiva sobre o pedido de impeachment de Trump, um jogo jogado: ele foi absolvido das acusações de abuso de poder e obstrução do andamento do processo por 52 votos (contra a condenação) a 48 (a favor), no primeiro caso, e 53 a 47, no segundo (eram necessários 67 votos para afastá-­lo). Entre um dia e outro, o presidente foi ao Congresso para pronunciar seu discurso sobre o Estado da União, no qual cantou louros aos próprios feitos, sempre de olho nele, o 3 de novembro. Saldo da semana 1 das eleições nos Estados Unidos: um Trump fortalecido — nova pesquisa cravou 49% de aprovação à sua gestão, o recorde em sua temporada na Casa Branca — e um Partido Democrata correndo atrás do nome capaz de derrotá-lo.

A primária de Iowa (a rigor, um caucus, uma convenção em que eleitores registrados estavam fisicamente presentes em grupos de apoio a um e outro candidato) poderia ter sido uma boa abertura dos trabalhos, derramando luz sobre os candidatos democratas, mas acabou tendo efeito reverso. Era a primeira vez que os votos seriam computados de forma eletrônica, e o aplicativo emperrou, fazendo todo o processo voltar à contagem manual e atrasar horrores. Já alardeado em pesquisas prévias, o bom desempenho do Prefeito Pete (como ele se apresenta, para evitar o sobrenome com excesso de consoantes) na confusa estreia pode ser creditado, em boa medida, ao fato de ter investido mais cedo e mais maciçamente nesta primeira rodada. Ele despejou 10 milhões de dólares em anúncios na TV e espalhou trinta escritórios de campanha pelo estado, engrenagem movida com dinheiro doado por quarenta bilionários, segundo a revista Forbes, e que acabou botando sua candidatura no mapa.

ESQUERDA, VOLVER – Sanders: risco de ser engolido de novo pelo partido (Carlo Allegri/Reuters)

A indicação para concorrer à Casa Branca, evidentemente, está a várias milhas de distância. A quem acredita na afirmação de que Iowa sempre emplaca o candidato final, vale cutucar a memória: no caucus republicano de 2016, Trump perdeu para Ted Cruz. Alguém se lembra dele? Na verdade, desde 1972, quando o estado tomou a dianteira nas primárias, houve doze pleitos para presidente, sendo que apenas três dos vencedores foram consagrados também ali: Jimmy Carter, George W. Bush e Barack Obama. Mas aquelas urnas estão dando agora alguns recados. Um deles é em relação a Biden, o mais palatável (pelo menos até o momento, é sempre bom ressaltar) para os democratas de raiz. Sua campanha vem emitindo claros sinais de falta de vigor, e não é de hoje. “Enquanto outros candidatos têm propostas fortes e bem expostas, Biden oferece um retorno à agenda de Obama e fica batendo na tecla de que é o único que pode derrotar Trump”, observa o cientista político Peverill Squire, da Universidade de Missouri.

Com Donald Trump bem fincado no polo à direita, os democratas naturalmente caminham para o outro espectro, mais à esquerda. É lá que Sanders se encontra desde sempre e onde Warren se alojou. Biden se situa em um matiz moderado, zona na qual Pete Buttigieg também marcha. Homossexual assumido, casado com um professor de ensino médio, o mais jovem no páreo é dono de currículo vistoso — carimbos das universidades Harvard e Oxford, passagem pela consultoria McKinsey, serviço militar como voluntário no Afeganistão — e discurso sem radicalismos: no lugar de saúde pública gratuita para todos, como pregam Sanders e Warren, ele defende um híbrido com o sistema privado. Assim pode avançar sobre o campo de Biden, embora ainda seja cedíssimo para qualquer aposta. “Pete é novidade, e isso atrai votos”, ressalta o cientista político Thomas Whalen, da Universidade de Boston.

Analistas acreditam que, na saga pelo candidato que unirá o partido, o bem posicionado Sanders, socialista de quatro costados, corre o risco de ser engolido pelos próprios correligionários. Foi mais ou menos o que aconteceu em 2016, quando ele estava à frente nas pesquisas e quase empatou com Hillary Clinton em Iowa (ela teve ligeiríssima vantagem); o próprio partido cuidou de inflar a candidatura de Hillary, acreditando que Sanders iria dividir e perder. Nesse cenário repleto de incertezas, o recente ingresso na corrida do ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg, multimilionário que já torrou 120 milhões de dólares em campanha e nem sequer concorreu em Iowa (está guardando munição para a Super Terça-Feira, em 3 de março), reúne ingredientes para chacoalhar ainda mais as bases democratas — e pode vir a se tornar uma sólida alternativa do establishment a Trump.

O presidente saiu-se da agitada semana como se previa desde o início do processo de impeachment: absolvido pela maioria republicana de senadores. A carta estava cantada com todas as notas na sexta-feira 31, quando foi rejeitado o pedido de convocação de novas testemunhas. Dos quatro votos republicanos necessários, dois que estavam em cima do muro foram contra e selaram a rejeição. Assim, os congressistas — e o país — deixaram de ouvir o ex-conselheiro de Segurança Nacional John Bolton, um falcão execrado pelos liberais que, depois de sair do governo, escreveu um livro ainda não publicado cheio de revelações comprometedoras sobre a Casa Branca (vazadas rapidamente, claro) e se tornou herói da oposição ao governo.

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Em seu relato, Bolton descreve como o presidente condicionou a liberação de uma ajuda militar de milhões de dólares para a Ucrânia à abertura de uma investigação sobre seu adversário político Biden, o ponto crucial do pedido de impedimento. Os advogados de Bolton diziam que ele estava disposto a testemunhar e desembuchar mais detalhes sobre o caso. Uma pesquisa mostrou que 66% da população queria ouvir seu depoimento. Nada feito. “Essa foi a primeira vez que o Senado conduziu um julgamento de impeachment sem intimar testemunhas”, diz Peverill Squire, em referência aos dois presidentes anteriores que também foram réus no Capitólio: Andrew John­­son, em 1868, e Bill Clinton, em 1998 ­— Richard Nixon renunciou antes dessa etapa, em 1974. “Agora fica muito difícil que qualquer presidente venha a ser destituído do cargo por esse mecanismo.”

Antes que a absolvição se concretizasse, Trump, no mesmo Congresso, bateu no peito e proclamou, no tom superlativo que privilegia, “o grande retorno americano”, enaltecendo os números na economia, sem mencionar uma única vez a famigerada palavra impeachment. Sua maior algoz, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, a quem ele não cumprimentou, assistia a tudo com o semblante contrariado. No fim, ela rasgou a cópia do discurso bem na frente das câmeras. Na fala de 78 minutos tipo comício, Trump afirmou ainda que “a fortuna da América está aumentando e seu futuro está brilhando”. Sua base eleitoral delirou, mas a vitória em novembro não está assim tão garantida. É líquido e certo que os democratas vão explorar à exaustão o fato de que boa parte dos senadores viu, sim, atitude condenável de Trump na forma como conduziu o Ucraniagate; só não achou que fosse fundamento para o seu afastamento do cargo. “A absolvição do presidente no Senado pode também ajudar a minimizar as diferenças entre os democratas e unificar o partido antes da votação de novembro”, avalia Thomas Whalen. A largada foi dada.

Publicado em VEJA de 12 de fevereiro de 2020, edição nº 2673

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