Conflito EUA-Irã reacende temor de terrorismo no Brasil
Governo brasileiro preocupa-se com conexão de milícias islâmicas com o crime organizado na América do Sul
A preocupação do governo de Jair Bolsonaro com um conflito armado entre os Estados Unidos e o Irã no Iraque não está apenas no impacto da escalada dos preços internacionais do petróleo no crescimento da economia brasileira. Ainda não verbalizado está o temor de que células do Hezbollah e de outras milícias xiitas se aproveitem do terreno fértil do crime organizado da América do Sul, sobretudo na Venezuela e na tríplice fronteira Brasil-Argentina-Paraguai, para se enraizar na região e apostar em atos de terror.
O temor já existia antes dos ataques recíprocos das forças americanas e das milícias xiitas no Iraque, que culminaram na morte do general Qasem Soleimani, comandante das forças especiais Quds da Guarda Revolucionária Iraniana na quinta-feira 2, durante bombardeio de um drone dos Estados Unidos. Mas agora se somam às prioridades de segurança do país, informou uma fonte de Brasília.
Há pelo menos dois anos, o governo brasileiro abandonou a tese de que o terrorismo, o narcotráfico e a lavagem de dinheiro eram fenômenos diferentes entre si, que prevaleceu sobretudo durante as gestões petistas. Desde o esgotamento financeiro do Irã, provocado pela reimposição de sanções econômicas pelos Estados Unidos em 2018, há suspeitas de que o Hezbollah e outras milícias xiitas antes providas por Teerã tenham iniciado uma busca mais intensiva de fontes de financiamento na América do Sul.
A presença de célula do Hezbollah na tríplice fronteira Brasil-Argentina-Paraguai é evidência antiga. Até o momento, tem se mostrado pacífica e voltada à coleta – e lavagem – de doações à causa. Para o governo brasileiro, porém, a conexão do grupo às organizações criminosas estruturadas no país tende a ser tornar inevitável. Apoiada pelo Irã, a Venezuela já é apontada como terreno seguro para o Hezbollah, e a retomada dos vôos diretos Caracas-Teerã, em meados do ano passado, gerou novos temores.
O tema da conexão de milícias islâmicas com o crime organizado sul-americano vem sendo tratado por um grupo de coordenação antiterrorista criado entre Brasil, Argentina, Paraguai e Estados Unidos em julho passado. Mas a complexidade da situação atual leva o governo brasileiro a agir com uma cautela inusitada. O presidente Bolsonaro esquivou-se em entrevista à Band, nesta sexta-feira, 3, de apoiar claramente a iniciativa de Washington. Sua linguagem mais ponderada não passou em branco.
O governo brasileiro está ciente de que a reação iraniana aos ataques dos Estados Unidos não será nada modesta, dado o impacto do assassinato de Soleimani, antes considerado o “mártir vivo” do país. Brasília também entende que, se antes a questão da paz do Oriente Médio se concentrava no conflito palestino-israelense, agora diz respeito ao projeto de hegemonia de Teerã na região.
A coordenação entre Israel e os sunitas Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos responde a essa ambição do Irã, que se vê presente nos conflitos na Síria, Iraque, Iêmen e nos entreveros entre os palestinos da Faixa de Gaza com as forças israelenses. Tudo o que a América do Sul – o Brasil, mais especificamente – não precisa neste momento é se ver chamuscado por esse imbróglio e ver as organizações criminosas locais aliadas ao terror.