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Chile: por que a sombra de Pinochet paira sobre o governo de Boric

Meio século depois do golpe que encerrou a Presidência do socialista Salvador Allende, parte dos chilenos revê com saudosismo o legado do general

Por Ernesto Neves 10 set 2023, 08h00

Considerada até então a mais estável democracia da América do Sul, o Chile acordou em choque na manhã de 11 de setembro de 1973. Sob a liderança do general Augusto Pinochet, as Forças Armadas cercaram a capital, Santiago, enquanto caças despejavam bombas sobre o Palácio de La Moneda, sede do Executivo. Dentro dele, o presidente Salvador Allende ensaiou uma desesperada e inútil resistência, que terminaria naquele mesmo dia com o seu dramático suicídio. Chegava ao fim o primeiro governo socialista eleito democraticamente na América Latina e tinha início a longa e implacável ditadura que adicionou o Chile ao vasto clube de países dominados por regimes militares na região. Nos dezessete anos que se seguiram, Pinochet governou com mão de ferro, combinando tortura e repressão política com uma radical liberalização da economia. Passado meio século, os tremores do golpe ainda se fazem sentir, acentuados pelos ventos direitistas que sopram no planeta.

Para marcar a data, o presidente de esquerda Gabriel Boric, de apenas 37 anos, admirador de Allende que chegou ao cargo em 2021 em disputa apertada com o conservador José Antonio Kast, propagador da herança pinochetista, assinou o decreto de criação do Plano Nacional de Busca de Vítimas. O projeto é destinar recursos e incentivos para encontrar os desaparecidos na era Pinochet. Segundo estimativas oficiais, entre 1973 e 1990 cerca de 30 000 pessoas foram alvo dos crimes da ditadura chilena. Destas, 1 469 sumiram nas mãos dos militares e os restos de apenas 307 foram encontrados e identificados. “Este plano não é um favor às famílias”, afirmou Boric na assinatura do decreto. “É um dever da sociedade como um todo dar as respostas que o país merece e precisa.” Para marcar o 11 de setembro, o governo organizou um abraço coletivo em torno do La Moneda e um ato no Estádio Nacional, central de prisões e torturas após o golpe.

SOMBRA - Cartaz com foto de Pinochet em manifestação pró-polícia: o general ainda se faz presente
SOMBRA - Cartaz com foto de Pinochet em manifestação pró-polícia: o general ainda se faz presente (Lucas Aguayo Araos/Getty Images)

A sombra de Pinochet paira sobre o governo de Boric, malvisto pela parcela da população que teme mudanças radicais e expressa nostalgia pelos velhos tempos. Uma sondagem recente mostrou que apenas 42% dos chilenos acham que o golpe militar destruiu a democracia. Outros 36% responderam que Pinochet salvou o Chile de se tornar uma nação comunista, a mais elevada aprovação da ditadura em décadas. “Países que sofrem com regimes violentos e terrorismo de Estado têm cicatrizes profundas, que levam décadas para curar”, diz David Aceituno, professor de história da Pontifícia Universidade Católica de Valparaíso.

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Eleito em 1970, Salvador Allende prometeu construir um “caminho chileno para o socialismo”. Com esse propósito, pôs em marcha uma onda de nacionalizações de empresas de mineração, base da economia chilena, e expandiu a presença do Estado, multiplicando os empregos no setor público. Com o inchaço da máquina estatal e a insegurança econômica, a inflação anual bateu em 600% e o país mergulhou em uma sequência caótica de paralisações e racionamentos. Alarmado com a possibilidade de Allende se tornar um novo Fidel Castro, o presidente americano Richard Nixon bloqueou empréstimos e a CIA financiou secretamente movimentos grevistas de caminhoneiros e comerciantes. Neste contexto, parte da classe média e das lideranças empresariais não só aderiu ao golpe como apoiou as reformas impostas por Pinochet. O general morreu em 2006, com a democracia já restaurada. Mas sua marca continua lá e todo o cuidado é pouco.

Publicado em VEJA de 8 de setembro de 2023, edição nº 2858

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