Justamente quando Donald Trump e Xi Jinping expressavam suas expectativas de um acordo para acabar com a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China no último sábado 1º, durante jantar no Teatro Colón, de Buenos Aires, a polícia do Canadá prendia, em Vancouver, Meng Wanzhou, vice-presidente da gigante chinesa de telecomunicações Huawei e filha do fundador da empresa.
Ambos os presidentes chegaram a concordar com uma trégua de 90 dias para a conclusão de um acordo definitivo. Nesse período, os Estados Unidos suspenderiam seu plano de aumentar as tarifas de importação para o equivalente a 200 bilhões de dólares em bens chineses em janeiro. Desde seu início, em maio passado, a guerra comercial limita as trocas de 400 bilhões de dólares entre os dois países, com impacto em ambas as economias.
Até aquele momento, a China já havia concordado com 40% das exigências comerciais apresentadas pelos Estados Unidos e se mostrado aberta a negociar mais 40%. As 20% restantes são consideradas inegociáveis porque envolvem o setor tecnológico e os subsídios industriais chineses e estão ligadas ao plano de Pequim de desafiar a hegemonia militar e tecnológica americana na segunda metade do século, avalia Anatole Kaletsky, economista-chefe do Gavekal Dragonomics, em artigo publicado pelo Project Syndicate.
Segundo Kaletsky, a ausência de um acordo e o recrudescimento da guerra comercial levaria o governo de Xi Jinping a adotar medidas de estímulo à demanda do doméstica, como meio de impedir o desaquecimento da economia do país também em 2019. Para Donald Trump, porém, o fim da trégua poderá chamuscar sua ambição de ser reeleito em 2020.
Na avaliação de Kaletsky, a nova rodada de aumento de tarifas a produtos chineses “se provará impopular para os eleitores americanos e causará tantos danos às projeções para a economia do país”. “O custo das (novas) tarifas recairá principalmente sobre os consumidores e importadores americanos, puxando a inflação e as taxas de juros, em vez de atingir a atividade econômica chinesa e seus empregos”, resumiu.
Guerra diplomática
A prisão de Meng resultou em pânico nas Bolsas de Valores nos Estados Unidos e na Europa na quinta-feira, quando foi divulgada sua prisão pelas autoridades canadenses, e também nesta sexta-feira. A fúria de Pequim, porém, também pode respingar sobre o Canadá.
A executiva corre o risco de ser extraditada aos Estados Unidos pelo governo do primeiro-ministro Justin Trudeau, que também estava presente naquele mesmo jantar no Teatro Colón para os líderes do G20, o grupo das 20 maiores economias do mundo. Na quinta-feira, Trudeau confirmou que sabia da detenção, na quinta-feira 6, mesmo declarando enfaticamente que a Justiça de seu país é “independente”.
No caso de extradição, ela responderá aos tribunais americanos como responsável pelo crime da Huawei de violar as sanções impostas pelos Estados Unidos ao Irã e de impor ameaças à segurança americana. A Huawei teria se valido da Skycom para concluir negócios com o Irã entre 2009 e 2014.
A China está ciente do fato de que Trump sabia da prisão iminente de Meng enquanto apertava as mãos de Xi em Buenos Aires. O conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, John Bolton, que acompanhou Trump na reunião do G20, reconheceu ter sido informado antecipadamente do plano canadense de prisão – e de extradição – de Meng.
A China reage, até o momento, com fortes declarações públicas e conversas diplomáticas. Mas pode a qualquer momento adotar ações unilaterais contra interesses nevrálgicos dos Estados Unidos e do Canadá. Na quinta-feira, o governo de Xi exigiu a libertação imediata de Meng, alegando não haver acusações substanciais que justifiquem sua prisão preventiva e, muito menos, sua extradição para os Estados Unidos.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Geng Shuang, informou que, nos contatos feitos com Washington e Ottawa, Pequim “apresentou uma queixa formal à parte canadense e à americana, pedindo-lhes que expliquem imediatamente a razão da detenção e libertem a pessoa detida”.
Geng chegou a alegar que a prisão sem claras razões era uma “óbvia violação dos direitos humanos”. A acusação cai como chumbo sobre o Canadá e os Estados Unidos, vinda de um país com histórico negativo no tema.
Mas nesta sexta-feira, 7, como programado, a executiva da Huawei foi conduzida a audiência em um tribunal canadense. No mesmo dia, os principais assessores de Trump almoçaram com os executivos chefes das principais empresas americanas de tecnologia – Oracle, Safra Catz, IBM, Qualcomm e Google . O principal negociador comercial dos Estados Unidos, Robert Lighthizer, estava presente, segundo o jornal The Washington Post.
A Huawei é alvo de investigações do FBI desde 2010 por suas violações às sanções unilaterais americanas a vários países. Suas iniciativas são suspeitas de serem conduzidas com as bênçãos do Partido Comunista da China e, portanto, poderão ser judicialmente elencadas como ameaças à segurança americana.
Desde o começo deste ano, o governo de Trump desencadeou pressões em países aliados para interromper processos de compras de equipamentos da empresa chinesa. O Canadá bloqueou o fornecimento de conexão 5G pela Huawei. A Austrália seguiu o mesmo caminho, mas estendeu a proibição à também chinesa ZTE.
A Casa Branca já restringiu os investimentos chineses nos Estados Unidos e impôs tarifas de importação sobre 250 bilhões de dólares, incluindo partes sensíveis de reatores nucleares e semicondutores, segundo o jornal The New York Times. Mas em julho, Trump suspendeu a proibição de compras de partes e software de empresas americanas pela ZTE, o que evitou seu colapso financeiro.
Uniforme de prisioneira
Filha do fundador da empresa chinesa, Ren Zhengfei, Meng Wanzhou apresentou-se nesta sexta-feira em audiência na Suprema Corte do estado de Colúmbia Britânica, em Vancouver, sob forte esquema de segurança. Vestida com o moletom verde reservado às prisioneiras canadenses, foi mantida em um “aquário” de vidro e recebeu o auxílio de uma intérprete.
Na audiência, a executiva de 46 anos de idade alegou que o comércio com o Irã havia sido conduzido pela Skycom, e que esta empresa é separada da Huawei.
“Skycom era Huawei”, rebateu o promotor John Gibb-Carsley, que defendeu a preservação da acusada na prisão até a sua extradição aos Estados Unidos, segundo o jornal canadense The Globe and Mail.
O promotor sublinhou os fatos de o pai de Meng ser dono de uma fortuna estimada em 3,2 bilhões de dólares americanos e de ela ter sido presa no Aeroporto de Vancouver quando se preparava para embarcar para o México, com o cuidado de não fazer escala nos Estados Unidos. Em 22 de agosto passado, o Distrito Leste de Nova York emitiu uma ordem de prisão contra a executiva.
Com sede em Shenzhen, a Huawei emprega 180.000 pessoas em 170 países. No ano passado, faturou 92,5 bilhões de dólares e registrou 7,3 bilhões de lucro. A empresa é uma das maiores fornecedoras do de equipamentos e de serviços de telecomunicações do mundo.
(Com EFE)