Daniela Brik.
Jerusalém, 19 nov (EFE).- O bonde de Jerusalém se tornou um lugar curioso onde israelenses e palestinos ficam cara a cara em uma incomum posição de igualdade, o que gera situações inéditas.
A linha começou a funcionar em agosto como serviço gratuito – embora a cada mês os responsáveis anunciem que começarão a cobrar no seguinte – e já conquistou diversos usuários em uma cidade onde o trânsito é caótico e imprevisível, e o transporte público precário.
Seu trajeto cobre os 13,8 quilômetros que separam o Monte Herzl, no oeste de Jerusalém, do assentamento judaico de Pisgat Zeev, na parte oriental palestina.
O percurso está de acordo com a política israelense de considerar Jerusalém capital como ‘eterna e indivisível’ e os assentamentos judaicos como ‘bairros’, o que viola o direito internacional e afasta a aspiração palestina de estabelecer a capital de seu futuro Estado na parte oriental, ocupada por Israel desde 1967.
Até pouco tempo, a situação do transporte urbano local se chocava com a visão utópica da Prefeitura de ter uma ‘cidade unida’ e aberta a todos seus moradores e turistas. Israelenses e palestinos escolhiam quase sempre suas próprias empresas de ônibus e só se aventuravam em território alheio por necessidade.
O bonde parece reverter pela primeira vez essa dinâmica, pois a maior parte dos passageiros deixa de lado as disputas na hora de dividir o vagão com seu ‘inimigo’.
‘Ele é judeu e eu sou árabe, mas viajamos juntos sem nenhum problema. Aqui não há diferenças’, declarou à Agência Efe um palestino residente no campo de refugiados de Shuafat.
Esse homem, que viaja assiduamente à cidade antiga, onde trabalha como açougueiro, percebe, no entanto, que ‘muitos judeus não gostam que o trem passe por bairros árabes’.
Nenhum morador é totalmente alheio à situação política que, há menos de uma década, nos piores anos da Intifada de Al Aqsa, explodia ônibus em Jerusalém, o que provocava olhares de suspeita sobre os passageiros árabes.
Apesar da desconfiança e dos receios próprios de dois povos condenados a compartilhar a cidade, no interior do vagão dividem espaço todos os tipos de passageiros.
Adolescentes palestinos que saem do colégio com estudantes de escolas rabínicas, soldados israelenses e mulheres muçulmanas com o cabelo coberto, que da mesma forma que as judias ortodoxas, correm para que seus carrinhos de bebê entrem no vagão antes que as portas se fechem.
O bonde conta com 23 estações, a viagem completa dura cerca de 50 minutos e o tempo de espera entre cada carro é de entre seis e 15 minutos, um verdadeiro luxo para uma cidade que não tem metrô por conter cinco mil anos de história soterrada.
Tanto os outdoors quanto os anúncios por alto-falante são em hebraico, árabe e inglês, em algum caso com nomes diferentes não isentos de considerações políticas.
Com ou sem dilemas, os usuários veem o bonde como um confortável meio de transporte que une dois mundos separados pelo mesmo conflito. EFE