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A tragédia das meninas maranhenses que queriam ver a neve

Deslizamento de pedra mata Isadora Bringel e Khálida Lisboa nas cordilheiras do Chile; polícia busca por responsáveis

Por Rafael Carneiro, de Santiago
Atualizado em 10 jun 2019, 16h28 - Publicado em 7 jun 2019, 19h10

As amiguinhas Isadora e Khálida queriam conhecer a neve. Fãs da animação Frozen – Uma Aventura Congelante e loucas pela protagonista Elsa, as pequenas maranhenses se encantaram com a ideia de conhecer o Chile. A viagem foi cuidadosamente programada pelos pais, os médicos Jorge Lisboa e Marcelo Bringel e, em 31 de maio, as duas famílias desembarcaram em Santiago, sem prever que o passeio tão alentado pelas meninas terminaria em tragédia.

Isadora Bringel, de 7 anos de idade, e Khálida Lisboa, de 3 anos, serão sepultadas neste sábado, 8, no Cemitério do Gavião, em São Luís (MA). As meninas foram vítimas de um deslizamento de pedras durante visita ao Cajón de Maipo, um dos pontos turísticos na parcela chilena da Cordilheira dos Andes, na segunda-feira 3.

As famílias vivem na maranhense Bacabal, a 235 quilômetros de São Luís. Marcelo Bringel e Jorge Lisboa são amigos desde os tempos da faculdade de Medicina, e Khálida estudava com a irmã mais nova de Isadora. As meninas eram tão amigas quanto os seus pais.

Esta foi a primeira viagem internacional de Khálida. Com pacotes turísticos comprados, as famílias  viajaram mais de 15 horas até chegar a Santiago, no dia 31, onde contrataram os serviços da agência chilena Tip Group. “O nosso grupo era grande, tinha 18 pessoas. E todos eram amigos, inclusive as crianças”, diz Lisboa.

No primeiro dia no Chile, o grupo fez um city tour pela capital chilena. Postagens no Instagram mostram as famílias no centro histórico de Santiago e no Parque Bicentenário, pela manhã, e na vinícola Concha y Toro, de tarde. O sábado 1º foi reservado para a realização do sonho das meninas: as estações de ski de Farellones e do Valle Nevado. No dia seguinte, o grupo visitou as cidades litorâneas de Valparaíso e Viña del Mar, na costa do Pacífico.

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No último dia de viagem, a segunda-feira, as meninas novamente se encontrariam no reino de Elsa. Mais especificamente, no Cajón del Maipo, a 50 quilômetros de Santiago, e na represa El Yeso. “A viagem estava perfeita até então. Gravei vários vídeos, tirei muitas fotos, publiquei tudo nas redes sociais”, conta Bringel.

Isadora Bringel sentada sobre a neve no Chile: gospel e aulas de balé (Álbum de família/.)

‘Pedra, pedra!’

Bringel lembra que a van do grupo chegou às 12h daquela segunda-feira até o local mais próximo de El Yeso. Depois, os turistas caminharam cerca de 40 minutos até a represa, acompanhando o ritmo mais lento das crianças. Passadas duas horas de caminhadas e de contemplação das cordilheiras, o deslizamento de pedra começou.

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“O Leno, que estava no nosso grupo, de repente gritou ‘pedra, pedra!’ e foi tudo muito rápido. Se não fosse isso, a tragédia teria sido maior”, recorda Bringel, emocionado. “A pedra era grande e veio em minha direção. Eu pulei, mas, infelizmente, não vi a Isadora. Quando eu me dei conta, a minha filha já estava caída no chão.”

Médico, Bringel tentou imediatamente reanimar a menina, sem sucesso. Saiu correndo com Isadora nos braços pelo caminho de volta à van da agência de turismo, com a ajuda de outras pessoas que estavam no local. “Enquanto eu descia, havia muita gente no sentido contrário. Mesmo com outras pessoas gritando que estavam caindo pedras, o pessoal continuava a subir”, lembra.

Lisboa também prestou os primeiros socorros à filha Khálida, em vão. Ambos os pais ficaram aturdidos com a ausência de ambulâncias e de equipamentos para atender às meninas naquela área de risco. Khálida e Isadora foram levadas sem vida ao hospital de San José de Maipo, a cidade mais próxima. Nas primeiras horas da terça-feira 4, seus corpos foram encaminhados ao Instituto Médico Legal de Santiago.

No complicado processo de liberação dos corpos, o avô de Isadora, José Milton Ferreira, teve de se deslocar de São Luís para Santiago com a missão de reconhecer a neta e dar apoio ao filho, Marcelo Bringel. As regras locais exigem o reconhecimento da vítima por duas pessoas próximas.  Ferreira comentou a VEJA, emocionado, que a menina era muito carinhosa.

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“Ela adorava cantar música gospel e era apaixonada pelas aulas de balé”.

Assim como a família de Ferreira, Jorge e Lenne Lisboa são religiosos e acreditam que a filha era um “ser de luz”, com quem aprenderam muito. Khálida esperava ansiosamente a chegada da irmã Katharina, daqui a dois meses.

“A nossa Khálida tinha a capacidade de chegar a um lugar estranho para ela e cativar todo mundo”, diz o pai. “Ela adorava estar na companhia das outras meninas, mas sentia a falta de uma irmãzinha para brincar”, comenta Lenne, grávida de sete meses.

Khálida Lisboa, o ‘ser de luz’ para seus pais: espera ansiosa pela irmã (Álbum de família/.)

Riscos omitidos

Marcelo Bringel, pai da Isadora; Jorge Lisboa e Lenne Carvalho Lisboa, pais de Khálida: ausência de ambulâncias e equipamentos de socorro no Cajón del Maipo (Rafael Carneiro/.)

Bringel e Lisboa sustentam que, no local do deslizamento, não havia nenhum aviso sobre os riscos nem interdições. Segundo os médicos, havia cerca de 300 pessoas no caminho até a represa, e o único bloqueio policial, distante do local do deslizamento, impedia apenas a passagem de veículos.

“Nesse posto policial, nós entregamos um papel com os nossos dados e, depois, começamos a caminhada. Se havia riscos de deslizamentos, deveríamos ter sido impedidos de continuar. Mas não. Entregamos um papel e tivemos acesso ao local”, relataram a VEJA.

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A versão das famílias contrasta com a da governadora da província de Cordillera, Mireya Chocai, que garantiu haver placas com alertas sobre o risco de deslizamentos no local. “Há sinalização, os guias de turismo sabem como funciona, o município está em contato constante com as agências. Há normas claras no lugar e são de conhecimento público”, ressaltou Chocai logo depois da tragédia.

O caso, porém, está em investigação pelo Departamento de Homicídios da Polícia de Santiago. Segundo o promotor Rodrigo Peña, o trabalho deverá elucidar como os turistas chegam ao Cajón del Maipo e à represa e o papel das agências de turismo envolvidas nesses passeios para se chegar à responsabilidade pelas mortes.

“Conforme a versão de uma testemunha, uma rocha de cerca de 1,5 metro se desprendeu do lugar, se chocou com um penhasco, se fragmentou e produziu o acidente”, afirmou o delegado Juan Fonseca.

As famílias apresentaram seus depoimentos à polícia chilena e, na madrugada desta sexta-feira, embarcaram de volta ao Brasil sem Isadora e Khálida.

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