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A controversa Irmandade Muçulmana aos olhos do neto de seu fundador

Tariq Ramadan fala sobre a história do movimento fundamentalista e a crise no Egito

Por Cecília Araújo
4 fev 2011, 11h56

Diante da crise que se instalou no Egito, é grande o temor de que fundamentalistas islâmicos tomem o poder após uma eventual queda do ditador, Hosni Mubarak. A Irmandade Muçulmana, a maior e mais antiga organização islâmica do país e principal grupo opositor ao regime atual, assusta as nações democráticas do Ocidente por sua ideologia. Setores do movimento, que não é homogêneo, apoiam a violência e financiam grupos como o Hamas (palestino), o Hezbollah (libanês) e a rede terrorista Al Qaeda.

Tariq Ramadan – neto do fundador do movimento, Hassan Al Banna – falou ao site de VEJA sobre a história da Irmandade Muçulmana e sua visão dos últimos acontecimentos. De origem egípcia, ele é proibido de entrar no país desde 1994, depois de se posicionar firmemente contra o regime Mubarak na imprensa internacional. Atualmente, Ramadan vive na Suíça. É professor da Universidade de Oxford, na Inglaterra, mas circula entre Catar, Marrocos e Japão, onde também leciona. Além disso, preside uma associação belga que promove reflexões sobre o islamismo.

Tariq Ramadan
Tariq Ramadan (VEJA)

Quais foram as principais mudanças no movimento desde a sua criação?

Meu avô criou o movimento em 1928 e, num primeiro momento, seu objetivo era resistir ao controle colonial britânico. Naquela época, era um grupo legal, anticolonialista e não-violento. Antes de meu avô ser assassinado, em 1949, ele inclusive defendia o modelo parlamentar britânico como o mais próximo dos princípios islâmicos. Somente a partir de 1952, depois do golpe que derrubou a monarquia, o quadro começou a mudar. Diante das terríveis repressões, diferentes tendências começaram a surgir dentro da Irmandade. Alguns radicais trouxeram ao grupo a ideia de tomar o poder através da violência, enquanto outros continuaram seguindo os preceitos tradicionais, lutando por uma reforma por etapas.

Essas divisões persistem atualmente?

Sim, a Irmandade é basicamente dividida em duas tendências: os tradicionalistas da primeira geração e os reformistas seduzidos pelo exemplo da revolução turca. Há um conflito de gerações, em que os jovens lutam por reformas mais imediatas. Também existe um grupo que apoia a violência. Por trás da fachada de uma organização unificada e hierarquizada, existem linhas contraditórias e não há um prognóstico fechado para o futuro do movimento.

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Qual é a relação da Irmandade Muçulmana com grupos terroristas?

Para os defensores do movimento original, aqueles que apoiam o terrorismo e a violência são traidores. É necessário entender que o Islamismo e a própria Irmandade não são monolíticos.

O senhor participa do movimento de alguma forma?

Não, como sou um crítico ferrenho da ditadura, fui expulso do Egito. Não posso mais entrar no país, assim como na Tunísia, na Argélia e em outros lugares onde presidem ditadores. Nas eleições de 1994, eu me posicionei inicisivamente contra o regime de Mubarak em um programa de televisão francês, onde fui confrontado com o embaixador egípcio. Mostrei a ele, com estatísticas e relatórios da Anistia Internacional, que o Egito é uma ditadura que vive sob repressão. Depois disso, fui proibido de voltar à França por 10 meses – três meses depois, a revista Nouvel Observateur revelou que a decisão decorria de pressões do governo egípcio. Quando voltei ao Egito, me pararam no aeroporto e me levaram à prisão. Como eu tinha passaporte suíço, não fui torturado quase à morte como outro egípcio que estava comigo. As autoridades o massacraram na minha frente, para que eu visse como era tratado um cidadão que ia contra o regime.

O senhor lamenta não poder mais voltar ao Egito?

Claro. Se o governo de fato cair, irei para visitar, mas não para viver, pois sou um cidadão europeu. Vivo na Europa, e tenho aqui o meu trabalho.

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Qual é a importância dos protestos atuais?

A importância está no fato de o movimento não ser orientado ou dirigido por um grupo específico. São vários jovens, homens e mulheres que não estão satisfeitos com o regime de Mubarak. O problema é que eles, apesar de estarem de acordo em se opor ao governo, ainda não criaram uma plataforma de conciliação.

Com a queda do presidente, o senhor acredita que a Irmandade Muçulmana vai lutar pelo poder?

A Irmandade quer participar de alguma forma, ter seu papel nesse período de transição, mas o grupo não tem vontade de tomar o poder, pois sabe que não possui representatividade suficiente. Cerca de 30% dos egípcios votariam no movimento, o que é um apoio significativo, mas não configura a maioria. É um erro imaginar que a situação se resume a “ou uma ditadura, ou a Irmandade Muçulmana”.

Quais são as alternativas?

Na minha opinião, há duas possibilidades: uma aliança entre a oposição, com uma figura da sociedade civil que se imponha, ou a tomada do poder pelo Exército, que cumpre um papel particular no Egito no momento. Os militares são muito próximos dos americanos. Por instrução deles, ainda não tomaram nenhum partido sobre as manifestações. Trata-se de uma estratégia para vencer sob qualquer circunstância, ao lado de Mubarak ou não.

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