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Chefs brasileiros de restaurantes conceituados se tornam produtores

A ideia é ter controle de todo o processo que alimenta seu negócio

Por Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h28 - Publicado em 20 mar 2020, 06h00

No início da década passada, um movimento gastronômico empenhado em valorizar a cadeia sustentável de produção de alimentos começou a ganhar força entre chefs americanos e europeus. Nascido nos Estados Unidos ainda na metade do século XX, na esteira da explosão da indústria de comida processada, o farm to table — expressão em inglês que significa “da fazenda para a mesa” — alcançou os experts da cozinha alinhados com a ideia de que um dos polos de resistência para a saúde do planeta está na sustentabilidade do que se leva ao prato.

O movimento obteve rápida adesão no Brasil. Um dos nomes de proa da tendência no país é o paulista Jefferson Rueda, que desde 2015 comanda o restaurante A Casa do Porco — onde, obviamente, a estrela do cardápio é o suíno que dá nome ao estabelecimento, montado no centro de São Paulo. Ao lado da mulher, Janaína, conhecida pelo Bar da Dona Onça, que funciona no térreo do Edifício Copan, também na zona central da Pauliceia, Rueda está à frente ainda das casas Hot Pork, que servem cachorro-quente, e da Sorveteria do Centro. Juntos, os quatro estabelecimentos faturam cerca de 18 milhões de reais por ano.

O que alimenta, por assim dizer, o êxito das empreitadas de Rueda — que em 2019 teve o seu carro-­chefe posicionado no 39º lugar no World’s 50 Best Restaurants, prestigioso ranking internacional elaborado pela revista britânica Restaurant — é justamente uma parceria que ele mantém com o produtor rural José Luiz Bertoletti, responsável pela criação dos cerca de 500 animais destinados ao grupo. A produção dá conta de atender à demanda dos 40 000 clientes mensais dos estabelecimentos de Rueda. Mais do que isso, desse modo ele assegura a guarda de todo o processo do negócio — da fazenda para a mesa. “O papel de um chef hoje não é mais só cozinhar. A posição que temos é de divisor de águas. Precisamos reeducar os clientes e derrubar os muros no entorno da sociedade”, afirma Rueda.

Ari-Kespers
MÃO NA MASSA - Ari Kespers: compra de 10 alqueires para atender às demandas de sua pousada em Monte Verde (MG) (Jefferson Coppola/.)

É na direção dessa quebra de barreiras que se move um novo desdobramento do farm to table no Brasil — que vem fazendo com que os chefs ponham, literalmente, a “mão na massa” no campo, transformando-se, eles mesmos, em produtores rurais. Um representante dessa corrente é Ari Kespers, chef e proprietário da Provence Cottage & Bistrô, em Monte Verde (MG), já estrelado pelo Guia Quatro Rodas. Paulista de Jundiaí, Kespers inaugurou seu estabelecimento em 2010. Entre as delícias oferecidas aos hóspedes dos sete chalés que ocupam o terreno de 12 000 metros quadrados, a pousada sempre se orgulhou de seus queijos. O leite, matéria-prima para produzi-­los, entretanto, começou a se tornar um problema, pois a Provence Cottage & Bistrô dependia de fornecedores locais, que, às vezes, preferiam vender o produto a empresas maiores. Para solucionar a questão, o chef decidiu comprar, em 2019, um sítio de 10 alqueires em Joanópolis (SP). A expectativa é que em setembro ele receba suas primeiras vacas leiteiras. Antes disso, em agosto, contará com 200 pés de oliva para lançar o próprio azeite. E desde já o chef produz abacate, goiaba, frutas vermelhas, banana, legumes e hortaliças, além de criar galinhas.

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“Antigamente, toda casa tinha uma tabela com o mês de cada alimento. Com a indústria de processados, que oferecem tudo o ano todo, perdemos essa experiência”, comenta Kespers. O clima frio de Monte Verde é impróprio para alguns produtos servidos na Provence. Joanópolis, com suas temperaturas mais elevadas, ajuda também nisso. “Os clientes ficam encantados com o gosto das frutas que servimos no café da manhã”, diz o empresário.

Segundo o engenheiro agrônomo Flávio Gandara, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, vinculada à USP, o movimento dos chefs a favor do farm to table representa um retorno às tradições rurais. “Houve uma homogeneização da comida em todo o mundo, e o que vemos agora é uma reaproximação com o campo que nos permitirá redescobrir os sabores dos ingredientes”, acredita ele. Um viva aos tempos de nossos avós.

Publicado em VEJA de 25 de março de 2020, edição nº 2679

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