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A pizza na era do delivery não perde o sabor

Nenhuma comida faz mais sucesso na quarentena do que a criação napolitana. O próximo passo: o delivery pelo ar

Por J.A. Dias Lopes
Atualizado em 4 jun 2024, 13h58 - Publicado em 10 jul 2020, 06h00

A pizza virou o prato forte dos brasileiros que moram nas grandes cidades e se protegem contra a pandemia, ficando em casa e pedindo comida fora. A popularidade do serviço de delivery já era enorme. Agora, alcançou êxito inesperado. Segundo a Associação Pizzarias Unidas do Brasil, desde o começo da pandemia, em abril, o faturamento de suas filiadas aumentou em até 30%, conforme a região do país. Iniciado o confinamento da população, as pizzarias com salão para receber clientes se voltaram 100% para a entrega em domicílio, associando-se às que a realizavam exclusivamente. Precisavam contornar os prejuízos. Afinal, suas portas foram cerradas. O sucesso foi tanto que, mesmo com a reabertura, pretendem continuar preparando comida para viagem.

Muitas pizzarias tiveram de se reinventar nos primeiros dias do fechamento. A Castelões, de São Paulo, é o maior exemplo. Aberta em 1924, no bairro do Brás, jamais apostou na entrega. Para não apagar o forno a lenha, a mais antiga pizzaria do país se rendeu ao serviço. Foi em abril, quando completou 96 anos de idade.

A pizza chegou ao Brasil entre o fim do século XIX e início de 1900. Veio com os 80 000 imigrantes de Nápoles e comunidades vizinhas da região da Campânia. Eles se instalaram em São Paulo, nos bairros do Brás, Mooca, Belenzinho e Bixiga. Acabou se tornando prato nosso. Há hoje 40 000 pizzarias no país. Só na cidade de São Paulo funcionam entre 4 500 e 6 000. Calcula-se que a metade seja exclusivamente delivery.

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A operação de entregar a pizza no endereço do cliente requer eficiência. Para manter a qualidade, ela deve chegar rapidamente ao destino. Cerca de quarenta minutos depois de sair do forno, esfria e perde a crocância. “Daí adotarmos uma embalagem aluminizada e só fazermos entregas até uma distância de no máximo dez quilômetros”, diz Arri Coser, dono da rede Maremonti, de São Paulo, que pôs três restaurantes no delivery. A cadeia paulistana Ráscal fez outra opção em sete casas. Passou a despachar a pizza pré-assada e congelada; ou com a cobertura à parte, para a montagem. “O cliente termina de assá-­la em casa e fica ótima”, garante Luisa Bielawski, sócia da Ráscal.

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Os pedidos do delivery chegam por meio de aplicativos, de plataformas como iFood, Rappi e Uber Eats, de sites, WhatsApp e telefone. Hoje, como se sabe, a pizza é entregue por motoboys. Profetiza-se que o serviço logo contará com drones, muito mais velozes. Testes com essas aeronaves pilotadas remotamente estão sendo feitos pela americana Domino’s, a maior rede de entregas de pizzas do mundo. Há duas semanas, ela atendeu a um cliente enviando um drone até a Praia de Zandvoort, na Holanda. No Brasil, a pizzaria Vero Verde de Santo André, na Grande São Paulo, realizou teste parecido em 2014, esbarrando na falta de licença das autoridades oficiais.

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“É UM AVIÃO?” - Na Holanda: entrega de pizza em praia, por meio de drone. (Van Der Wal/EPA/EFE)

O namoro com a inovação enriquece uma bela história. No início da vida em São Paulo, os imigrantes italianos moravam mal, muitos em cortiços. Para reforçar o orçamento, os napolitanos e patrícios da Campânia começaram a fazer pizza em casa para vender. Os que não dispunham de forno a lenha levavam a redonda, como a chamavam, para assar em padarias de portugueses. A seguir, saíam oferecendo nas ruas, em pedaços.

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Transportavam a pizza em um tambor de metal, em cuja parte inferior ardia carvão em brasa. Tinha massa grossa e borda alta; na cobertura, molho de tomate e mussarela; ou filezinhos de aliche com ou sem queijo; reunindo os dois ingredientes, virava mezzo a mezzo. Hoje, as variações são ilimitadas. Nos últimos dois anos, conforme a associação de pizzarias, as mais pedidas nos restaurantes e deliveries do país são, pela ordem, a pizza de linguiça calabresa, a portuguesa e a frango com catupiry.

As três receitas nasceram em São Paulo. Campeã absoluta, a calabresa passou a ser preparada no fim da década de 30, depois que um açougue paulistano produziu a linguiça do mesmo nome, até então caseira. A portuguesa surgiu entre as décadas de 50 e 60, em homenagem aos padeiros que cediam o forno aos imigrantes. Já a frango com catupiry é da década de 70, quando um vendedor da fábrica de laticínios sugeriu a um pizzaiolo que testasse seu requeijão em uma redonda.

Acredita-se que a pizzaria número 1 do Brasil foi a Santa Genoveva, de São Paulo, aberta em 1910 e fechada em 1940, no Brás. O dono era D. Carmino Corvino, italiano de Salerno, perto de Nápoles. Começou vendendo pizza na rua. Juntando dinheiro, inaugurou a Santa Genoveva. Portanto, como instituição, a pizzaria brasileira faz aniversário: completa 110 anos em 2020. Pode-se imaginar a perplexidade de D. Carmino Corvino se ressuscitasse, fosse morar em um apartamento e aparecesse um drone com uma pizza quentinha na sacada. Mas talvez se sentisse aliviado ao desfrutar do conforto de não precisar descer até a portaria com uma máscara cobrindo a boca e o nariz, para enfrentar a pandemia.

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Publicado em VEJA de 15 de julho de 2020, edição nº 2695

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