Marta sempre reinou nos gramados – mesmo quando não era notada
Rejeição à seleção masculina fez crescer a admiração pela líder e craque da equipe feminina, que há mais de uma década é um verdadeiro fenômeno
“Marta é melhor que Neymar”. O canto que ganhou as arquibancadas da Olimpíada e as redes sociais é, essencialmente, um reflexo da insatisfação popular com a equipe masculina e sua principal estrela, mas também corrige uma falha histórica: uma das maiores atletas da história do esporte nacional foi por muito tempo subvalorizada. Tal qual Maria Esther Bueno, Hortência ou Maurren Maggi, a alagoana Marta Vieira da Silva Veiga já construiu uma carreira digna de estrela mundial – talvez seja a esportista brasileira com o rosto mais conhecido internacionalmente, graças às muitas aparições na Bola de Ouro da Fifa. Sua perna esquerda é um verdadeiro patrimônio nacional, não só pela habilidade, mas pela forma como a camisa 10 se entrega em campo. Aos 30 anos, a heroína de Dois Riachos, cidade alagoana de pouco mais de 10.000 habitantes, já não vive seu apogeu técnico e físico, mas pode, enfim, receber a coroa de rainha de futebol – independentemente do resultado dos homens. Marta sempre esteve aqui, nós é que não reparamos.
Bem diferente de Neymar, que ainda vive à sombra de Lionel Messi e Cristiano Ronaldo, Marta já foi considerada, e com sobra, a melhor em sua profissão por cinco anos consecutivos (de 2006 a 2010). É a maior artilheira da história da seleção brasileira entre homens e mulheres, com mais de 100 gols marcados, à frente de Pelé. Também já brilhou em Olimpíadas com duas honrosas medalhas de prata, em Atenas-2004 e Pequim-2008. As amargas derrotas terminaram em lágrimas e nas eternas promessas de que o futebol feminino um dia seria valorizado. Mas, se nem com todo o talento e carisma de Marta isso foi possível, o futuro da categoria não é animador.
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De origem pobre, Marta cresceu jogando em um campo de pouca grama e muita terra de Dois Riachos, na época em que constrangia os garotos com seus dribles e arrancadas. Em poucos anos, passou de destaque das categorias de base do CSA, de Alagoas, à maior estrela de sua categoria. Aos 14, tentou a sorte no Rio de Janeiro, no Vasco da Gama. Três anos depois, já se destacou na Copa do Mundo, e foi contratada pelo Umea, da Suécia. Desde então, fez história: passou por diversos países e se tornou a jogadora mais temida e respeitada do mundo, embora ainda lhe falte um grande título com a seleção. Humilde e tímida, Marta se acostumou a dar entrevistas na última década, mas preserva sua vida pessoal o máximo que pode e ainda não recebe atenção proporcional a sua genialidade.
Poliglota, reservada e vaidosa
Chamada desde a adolescência de “Pelé de saias”, Marta não se revolta com o fato de o futebol feminino não ter decolado no Brasil, pois sabe que fez mais do que sua parte. Ela sofreu na própria carne as dificuldades da modalidade no mundo todo. Suas passagens por clubes da Suécia, dos Estados Unidos e do Brasil se encerraram por dificuldades financeiras das equipes – assim como Pelé e Neymar, Marta conquistou a Copa Libertadores (sim, existe uma edição feminina) pelo Santos, em 2009, além de outros torneios com audiências baixíssimas. Marta é uma das estrelas da fornecedora alemã Puma, mas, apesar de não revelar seu salário por nada no mundo, admite que ganha infinitamente menos que os homens da elite do futebol.
Marta é uma cidadã do mundo. Aprendeu a falar sueco e inglês e arranha o espanhol. Depois de tantas idas ao prêmio da Fifa em Zurique, já se senta à mesa com Messi e Cristiano Ronaldo sem constrangimento – recentemente o português foi flagrado em uma conversa animada com a brasileira na Suécia. No entanto, Marta rejeita a ostentação. Sua mãe e maior incentivadora, dona Teresa, segue morando em Dois Riachos (numa casa bem mais confortável), onde Marta passa as férias. E tem consciência de que a humildade é sua melhor publicidade.
“Presto muita atenção quando pessoas que eu admiro estão falando. Uma coisa que aprendi é nunca falar só de mim ou ficar me valorizando. Ninguém gosta de uma conversa assim”, disse Marta a VEJA, em 2010. Na mesma entrevista, contou que tinha o sonho de formar uma família, o que ainda não ocorreu. Sobre a vida pessoal, Marta joga na retranca: jamais assumiu relacionamentos e evita falar sobre sua sexualidade. A maior jogadora do mundo rejeita maquiagem durante as partidas, mas não abre mão da chapinha e recentemente fez mechas loiras no cabelo. Não gosta, mas já se acostumou a colocar vestidos de gala para receber prêmios. O maior deles poderá ser o inédito título olímpico.