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Idealizador da Copa Roca misturou política e futebol há um século

A Copa Roca, ressuscitada com o nome de Superclássico das Américas 97 anos após o seu início, foi idealizada por Julio Argentino Roca. Antes de presidir a Argentina duas vezes, o general comandou a chamada ‘Conquista do Deserto’, na qual milhares de índios acabaram mortos ou aprisionados. Considerado um genocida por alguns, ele é visto […]

Por Da Redação
28 set 2011, 07h24
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  • A Copa Roca, ressuscitada com o nome de Superclássico das Américas 97 anos após o seu início, foi idealizada por Julio Argentino Roca. Antes de presidir a Argentina duas vezes, o general comandou a chamada ‘Conquista do Deserto’, na qual milhares de índios acabaram mortos ou aprisionados. Considerado um genocida por alguns, ele é visto por outros como pai do estado moderno argentino. Fato é que o personagem foi um dos pioneiros na mistura de futebol e política na América do Sul, receita aperfeiçoada pelos ditadores argentinos e brasileiros nos anos 1970.

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    ‘O ex-presidente argentino percebeu nos primórdios da popularização do futebol o sentido e a importância que este esporte tinha para brasileiros e argentinos’, diz Lívia Gonçalves Magalhães, formada em história pela Universidade Federal Fluminense e mestre em estudos latino-americanos pela Universidad Nacional de San Martin-ARG com a dissertação: ‘Treze jogadores em campo. Meios de comunicação, ditaduras militares e Mundiais de futebol no Brasil e na Argentina’.

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    Com a intenção de ampliar o controle territorial e dominar os povos indígenas, maioritariamente da etnia mapuche, Julio Argentino Roca comandou o que ficou conhecido como Conquista do Deserto, em 1879. No ano seguinte, iniciou o primeiro de seus mandatos (1880-1886). Conhecido como ‘Zorro’ (Raposa), manteve a influência no governo até reassumir o cargo para o segundo e último período como presidente (1898-1904). Mais de 100 anos depois, o termo ‘deserto’, usado para se referir à região então habitada pelos indígenas na Patagônia e nos Pampas, é contestado. ‘Roca é parte da própria construção da nacionalidade argentina, e esta construção foi feita em determinado momento a partir de uma visão positiva da chamada Conquista do Deserto. Hoje, esta visão é fortemente contestada pela historiografia argentina, que inclusive problematiza o termo, já que, se houve conquista, havia algo ou alguém para ser conquistado. Porém, o deserto é exatamente o contrário, o vazio’, diz Lívia Magalhães.

    Na época, os indígenas eram acusados de roubar gado dos fazendeiros e sequestrar mulheres brancas. O Chile, vizinho da Argentina, tinha objetivos expansionistas e estava envolvido na Guerra do Pacífico, contra Peru e Bolívia. ‘Não cabe a nós, historiadores, julgar os fatos históricos. O que podemos afirmar é que houve um massacre de nativos, e que esta população atualmente luta pelo reconhecimento de sua história e de seu passado dentro da própria história e da memória nacional argentina’, afirmou Lívia Magalhães.A primeira edição da Copa Roca foi disputada no dia 27 de setembro de 1914, pouco menos de um mês antes da morte do ex-presidente. No Estádio do Gimnasia y Esgrima, a Seleção Brasileira venceu por 1 a 0. O torneio amistoso continuou sendo realizado sem periodicidade definida até 1976. Seis anos antes, o tricampeonato mundial conquistado no México foi explorado pelo governo do general Emilio Garrastazu Médici.

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    ‘O regime fez diversas propagandas envolvendo o evento [o Mundial de 1970], como por exemplo em relação à transmissão dos jogos ao vivo pela TV. Médici era um grande fã de futebol, e essa personalidade serviu como uma forma de identificação com a população’, explica Lívia Magalhães, autora do livro ‘Histórias do Futebol’, publicado pelo Arquivo Público do Estado de São Paulo e disponível para download gratuito através da Internet.

    As ditaduras da América do Sul costumavam colaborar e trocar informações, processo que culminou com a formação da Operação Condor. Oito anos depois de verem os militares brasileiros explorarem o tricampeonato logrado pelos ídolos do futebol, os argentinos fizeram o mesmo durante a Copa de 1978. Dentro de casa, a seleção comanda por César Menotti conquistou o primeiro título mundial da história do país e ofereceu a chance que os governantes queriam.

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    ‘O [Jorge Rafael] Videla [então presidente da Argentina] não era fã de futebol, como era o caso de Médici. Mas fez questão de visitar os jogadores antes dos jogos, os recebeu na Casa Rosada [sede do governo argentino] antes do início da Copa e, claro, comemorou ao lado deles a vitória, sempre associando o êxito esportivo ao regime’, explica Lívia Magalhães. A Argentina se classificou para enfrentar a Holanda na decisão graças a uma suspeita goleada por 6 a 0 sobre o Peru, resultado que eliminou o Brasil.

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    Sérgio Barzaghi/Gazeta Press

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    ROCA FOI ‘ALGOZ’ DE LEOZ

    O ganhador do Superclássico das Américas receberá a Taça Nicolas Leoz. O paraguaio, ex-professor de história, é presidente da Conmebol desde 1986 e suspeito de atos de corrupção.

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    Julio Argentino Roca teve uma atuação de destaque na Guerra do Paraguai, travada entre 1864 e 1870. Unidos na Tríplice Aliança, Brasil, Argentina e Uruguai massacraram o país de origem de Leoz.

    Ironicamente, o ex-professor de história batiza o troféu destinado ao ganhador do Superclássico das Américas, a antiga Copa Roca, idealizada pelo general Julio Argentino Roca.

    Cristina Kirchner, atual presidente da Argentina, foi ativista de esquerda, assim como o marido Nestor, que a antecedeu no cargo, era membro da Juventude Peronista e dizia já ter sido preso por sua atividade política. Em março de 2004, o então presidente determinou a retirada dos quadros de Jorge Rafael Videla e Roberto Bignone, antigos ditadores, da Escola Superior de Mecânica da Armada (equivalente ao DOPS, órgão repressor da ditadura brasileira) em um ato polêmico e de alto valor simbólico.

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    Atualmente, Cristina Kirchner, viúva de Nestor, e Julio Grondona, presidente da Associação de Futebol Argentina (AFA) desde 1979, são aliados. O dirigente aprovou a compra dos direitos de transmissão do Campeonato Nacional por parte do governo por cerca de R$ 300 milhões em uma medida de intenso apelo eleitoral, uma vez que a atual presidente pretende concorrer à reeleição em outubro. Antes da estatização, os direitos do torneio de futebol local pertenciam ao Grupo Clarín, contrário aos Kirchner.

    ‘Existe um interesse eleitoral com o ‘Fútbol para Todos’, mas também é importante considerar o conflito entre o governo de Cristina Kirchner e o Grupo Clarín. O governo vem tomando diversas atitudes que prejudicam este grande conglomerado, e o caso dos dois principais torneios nacionais de futebol é apenas mais um exemplo’, disse Lívia Magalhães, que encara a união de Cristina Kirchner e Julio Grondona com naturalidade: ‘a política é caracterizada pela adaptacão, e o futebol é apenas mais um elemento de interesse político da sociedade’.

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