Chapecoense, o conto de fadas dos torcedores de pequenos clubes
Equipe catarinense, vítima de acidente aéreo na Colômbia, personifica o sonho de 764 times brasileiros: ascender da obscuridade aos holofotes
Para quem acompanha apenas o que se passa na elite do Campeonato Brasileiro, a Associação Chapecoense de Futebol ainda soava como um enigma – ou simplesmente um desconhecido – do futebol nacional. Quando o clube chegou à Série A do Brasileiro, em 2014, eram frequentes as queixas dos torcedores da equipe nas redes sociais quando viam jornalistas tarimbados ruminar teorias sobre “o” Chapecoense. Ignoravam os doutos que a paixão da cidade de Chapecó era menina, como agora até um jornal espanhol já sabe.
Nesta terça-feira, o diário espanhol As definiu a Chapecoense como “a namoradinha do Brasil”, a menina bonita pela qual todo o país caíra de amores. O britânico The Guardian descreveu 2016 como o de um “conto de fadas” para o clube: equipe modesta, de uma cidade do interior e de um estado pequeno que salta da quarta divisão nacional à decisão da segunda competição mais importante do continente. O luto é mundial – e é particularmente pungente para os clubes de pouca expressão, que projetavam na equipe catarinense os feitos que elas próprias provavelmente jamais alcançarão.
A Chapecoense é o sonho realizado da imensidão pouco ouvida do futebol nacional. Em 2015, o Brasil tinha 776 clubes profissionais de futebol, de acordo com a CBF. Doze são os ditos “grandes”. Todos os outros 764 sonham em ser não o Flamengo ou o Palmeiras, mas a Chapecoense: sair da obscuridade e, com muito trabalho, atestar ao mundo sua existência. Para esses 764, ganhar campeonatos é feito secundário. Nesse grupo está o Inter de Lages, sexagenário clube do interior de Santa Catarina que assiste com admiração e inveja à ascensão do primo mais novo – e do qual sou torcedor.
Até o acidente aéreo desta terça-feira, que matou jornalistas, dirigentes e boa parte do elenco do clube catarinense, especialistas esforçavam-se ora em explicar sua tática no gramado, ora em seus segredos fora dele. Como se o clube tivesse começado ontem.
Quem aplaudia Bruno Rangel, Ananias, Cléber Santana e Danilo ignora que a Chapecoense construiu-se também com os feitos de craques obscuros, ou quase isso, como Janga, Ronaldo, Zózimo, Madruga, Lúcio e Paulo Rink. Sua camisa hoje tem o lustro de uma grife internacional, a Umbro, e do patrocínio da Caixa – o que, para a realidade das equipes menores, é não apenas sinônimo de dinheiro no cofre, mas também de prestígio. Mas a Chapecoense também se fez pelo patrocínio da construtora Rotesma ou pelo apoio da Mastervet, uma empresa de produtos veterinários que chegou a batizar o clube por um breve período – a “Chapecoense Kindermann/Mastervet” – , em uma estratégia que ajudou a evitar o fechamento de suas portas.
A tragédia é um baque na vida da Chapecoense. Mas, a depender do esforço da cidade, que tirou um clube das portas da segunda divisão do estadual para levá-lo à final da Copa Sulamericana, ela seguirá adiante. Só no Brasil, 764 clubes brasileiros dependem disso para continuar acreditando em contos de fadas.