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Ousadia narrativa e polarização no novo romance de Cristovão Tezza

O conflito da política brasileira serve de pano de fundo de 'A Tensão Superficial do Tempo' — mas o forte do livro está em seu arrojado fluxo narrativo

Por Mario Viana
Atualizado em 22 jul 2020, 15h13 - Publicado em 10 jul 2020, 06h00

Cândido, o melhor professor de química de Curitiba, é também um exímio pirateador de filmes da internet. É ainda obcecado pela amante, Antônia, casada — e malcasada — com um procurador da República convidado a assessorar o ministro da Justiça. Há um quê de crônica de costumes em A Tensão Superficial do Tempo, o novo romance de Cristovão Tezza. Mas a impressão se dissipa em suas páginas: a narrativa se desenrola entre um presente nebuloso e uma memória mais difusa ainda. Afinal, quando aconteceram os fatos que a ressaca do professor reconstrói na marra? Nos fragmentos de conversas sempre aparece a perplexidade da classe média com as idas e vindas do atual governo federal. “A cada manhã, o noticiário traz uma surpresa”, diz um personagem. Habituada à autorreferência, a literatura brasileira conquista novo patamar com o jogo proposto por Tezza. Não é sempre que a arte se arrisca a comentar fatos tão frescos da realidade, sem esquecer sua função de contar bem uma história.

A TENSÃO SUPERFICIAL DO TEMPO, de Cristovão Tezza (Todavia; 272 páginas; 64,90 reais e 39 reais na versão digital) (./.)

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Os personagens entram sem pedir licença, um saindo da lembrança do outro. Não é o fluxo de pensamento consagrado pelo irlandês James Joyce ou a inglesa Virginia Woolf. São lembranças misturadas, geradas no pensamento de quem tenta colocar as coisas em ordem. É uma técnica refinada de narrativa que conduz o leitor pelas noites conturbadas do protagonista. Sentado feito um sem-teto no Passeio Público de Curitiba, o professor junta os cacos dos últimos dias — o fim do casamento com Hélia, o jogo sedutor da aluna Líria, as intermináveis arengas da mãe, Lurdes. Ele tateia as recordações com o cuidado de um inseto que caminha sobre a água sem afundar — o que se explica pelo fenômeno químico da tensão superficial, que dá título ao livro.

O hobby de pirateador acrescenta lances ao turbilhão de Cândido. Ele baixa filmes para sua mãe de 80 anos, que passa o dia diante da TV. Até que um dia Cândido copia Ascensor para o Cadafalso, de Louis Malle, para a madrasta de uma aluna. É quando Antônia entra em cena. À beira dos 50 anos, sensual e insatisfeita com o casamento, Antônia se identifica com o filme de 1958, no qual a atriz Jeanne Moreau fazia uma femme fatale. Enquanto o marido precisa viajar a Brasília para tratar do convite do ministro da Justiça (nunca citado, mas a cara de Sergio Moro), Antônia e Cândido se entregam a uma paixão devoradora.

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A política entra na trama da mesma maneira que nas vidas cotidianas. Os personagens se sentem atingidos e reagem ao que emana de Brasília. Escritor de perfil pessoal conservador, Tezza joga o governo Bolsonaro na centrífuga da história sem nomear o mandatário. No lugar do nome (citado só uma vez), os personagens se referem a ele por meio de figuras de linguagem pouco sutis e nada edificantes, às vezes impublicáveis. Não é a primeira vez que Tezza lança mão do recurso. Em A Tradutora, de 2016, o cenário era o governo Dilma. Em A Tirania do Amor, de 2018, a história vinha embalada na gestão Temer. Juntos com A Tensão Superficial do Tempo, eles formam o que o autor batizou de trilogia do acaso, tendo Curitiba como cenário. Em nenhum momento, a discussão política toma a frente. O que importa ao escritor catarinense de 67 anos são os dilemas de suas criaturas. Nem só de política, mas também de sexo e química vive o homem.

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Publicado em VEJA de 15 de julho de 2020, edição nº 2695

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