John Neschling falta à CPI e pode ser conduzido coercitivamente
Acusado de desvios e irregularidades, o titular da orquestra do Teatro Municipal de São Paulo recusou-se a participar de acareação com delator do esquema
As investigações sobre as irregularidades do Teatro Municipal estão se encaminhando para momentos de fortes emoções. Na manhã desta quarta-feira, os vereadores que fazem parte da CPI que apura as possíveis fraudes na entidade aprovaram a condução coercitiva do maestro John Neschling e de sua mulher, a escritora Patrícia Melo, para participarem de uma acareação com José Luiz Herencia, réu confesso no esquema de desvio de dinheiro do Municipal – e que assinou um acordo de delação premiada. Os vereadores também sugeriram a apreensão do passaporte de Neschling e Patrícia, além da suspensão dos vencimentos do maestro.
LEIA TAMBÉM:
Justiça determina quebra de sigilo dos e-mails de John Neschling
Segundo Herencia, Neschling participava de um esquema de superfaturamento de custo de produções e cachês de artistas. Ele ocorreria numa espécie de troca de favores entre o maestro e alguns empresários internacionais. Os contratados desses agentes viriam com cachês acima do que costumam receber. O regente se encarregava também de “inflar” a importância desses solistas em entrevistas e releases distribuídos para a imprensa. Em troca, os empresários arrumavam orquestras e récitas no exterior – em sua maioria em grupos sinfônicos modestos – para que ele pudesse reaquecer sua carreira como maestro. O argentino de origem russa Valerie Proczynski é, dentre os mascates eruditos, quem tem relações mais estreitas com Neschling. A ponto de ocorrerem coincidências muito estranhas. Por exemplo, em julho, enquanto o Teatro Municipal recebeu duas produções intermediadas por Proczynski, John Neschling regia nas cidades de Montpellier e Monte Carlo – esta última cidade-sede da Old and New, empresa de propriedade do empresário. O esquema sangrou os cofres públicos em 18 milhões de reais.
A acareação desejada pela CPI deveria ter acontecido nesta quarta-feira, mas Neschling não compareceu. Numa mensagem entregue pelo seu advogado a Quito Formiga, presidente da CPI, ele “enfatizou ser evidente que os mentirosos que o acusam continuarão a fazê-lo, mesmo contra todas as evidências apresentadas, e que, em tais circunstâncias, a acareação corria o risco de virar uma briga de rua”. A justificativa do maestro enfureceu os integrantes da comissão, em especial o vereador Ricardo Nunes. Em sua opinião, o termo “mentirosos” empregado pelo maestro poderia se estendido aos próprios vereadores. Foi então que houve uma decisão de chamar o maestro e sua mulher Patrícia – e sócia na empresa PMM – para uma nova rodada de esclarecimentos. William Naked, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Gestão Cultural (Ibgg) e Toni Venturi, diretor da empresa de vídeos Olhar Imaginário, também faltaram à acareação. Nacked estava num depoimento ao Ministério Público e Venturi alegou compromissos profissionais. O primeiro é suspeito de estar envolvido no processo de desvio de verbas e Venturi dirigiu vídeos institucionais para o Teatro a um custo de 500 000 reais. Os vídeos, aliás, nunca haviam sido divulgados e só foram para no YouTube após o início das denúncias. Toni Venturi, diga-se, é muito ligado a Nunzio Briguglio, atual secretário de comunicação do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Em seu depoimento, sem acareação, Herencia reafirmou a culpa de John Neschling e disse que o maestro não apenas sabia do desvio de dinheiro como também fazia pressão para que a instituição contratasse indicados de seus amigos agentes.
*Atualização, em 26 de agosto, às 12h45: O advogado do maestro John Neschling, Eduardo Pizarro Carnelós, enviou uma nota à redação do site de VEJA em defesa de seu cliente. Confira:
Nota
As cenas de hoje na CPI comprovam o que se afirmou na petição endereçada para justificar a ausência de John Neschling à acareação: além da inocuidade, sua presença serviria apenas para a submissão aos ataques vis proferidos por Herencia e alguns vereadores, que se mostraram suscetíveis ao simples exercício de direito. Apesar da sólida fundamentação da petição, consideraram não ter sido ela “séria”, e como punição por ele ter ousado exercer seus direitos, decidiram, contra a lei e em ato de abuso de autoridade, conduzi-lo coercitivamente, além de confiscar seu passaporte e determinar a suspensão de seus pagamentos. É lamentável assistir a tamanho abuso, como se a CPI pudesse cassar o direito que o maestro tem de proteger sua imagem, sua dignidade e sua honra, e como se pudesse puni-lo por isso, fazendo-o objeto da vontade dos investigadores, a serviço de finalidades políticas. O absurdo foi tão evidente, que Herencia foi tratado como herói, e suas mentiras tomadas como verdades. As acusações nem mesmo fazem sentido, e Neschling usará os instrumentos jurídicos disponíveis para arrostar o arbítrio que se pretende consumar contra ele.
Eduardo Pizarro Carnelós