Dinheiro na cueca, 51 milhões de reais em notas num apartamento na Bahia, depósitos em espécie, casas compradas à vista, ‘in cash’. O noticiário se repete, apenas com variações, mas os controles de lavagem de dinheiro acendem seus alertas cada vez que alguém usa dinheiro vivo para fazer grandes pagamentos. Especialmente depois da Operação Lava Jato, quando os bancos foram pegos de calças curtas e tiveram de correr a fazer acordos no Banco Central por conta de sistemas falhos de “conheça o seu cliente”. Agora, as instituições financeiras já se preparam para uma nova fase do monitoramento contra o crime. A nova etapa se inicia com a entrada em vigor do sistema PIX, que vai permitir pagamentos e transferências instantâneas, em menos de 10 segundos, 24 horas por dia, 7 dias por semana.
O novo sistema tende a reduzir drasticamente o uso de dinheiro pelas pessoas, o que vai dificultar em muito a lavagem de dinheiro tradicional de grandes somas. Mas banqueiros e fintechs começam a se preocupar com as pequenas quantias, que podem sumir em minutos num emaranhado de contas e transferências instantâneas.
Quando a Lava Jato bateu na porta dos bancos, ficou escancarado que muitos deles não estavam com os controles de prevenção à lavagem calibrados. Muitos deles sequer fizeram checagens básicas de nomes dos laranjas de doleiros, que não só tinham contas bancárias como obtinham empréstimos, inclusive de grandes instituições. Houve ainda o caso de alguns gerentes serem coniventes com o esquema. Mas o fato é que o dinheiro ilícito trafegou pelo sistema bancário. A Lava Jato esfriou, mas vieram os casos de políticos e assessores que, na tentativa de burlar o sistema de vigilância, faziam depósitos, em espécie, de pequenas montas. Pura ilusão. O valor não importa, importa a atipicidade da operação. E, se vale para o crime de corrupção, vale para o tráfico de drogas.
As regras de alerta do sistema determinam um valor mínimo de movimentação, em alguns casos de 10 mil reais e em outros de 50 mil reais, em que passa a ser obrigatória a informação do movimento ao Coaf, o órgão de governo que monitora operações financeiras. Mas isso é uma regra estática da autoridade. Os bancos fazem suas próprias análises de possíveis crimes, e não ficam restritos somente a valores. Por exemplo, não é comum alguém fazer depósitos de mil reais todos os dias. Nesse caso, os sistemas de prevenção à lavagem de dinheiro ligam seus alarmes, que alertam as autoridades. E é nos detalhes de atipicidade que as instituições vão ter de trabalhar para prevenir lavagem em operações com o PIX.
Os bancos estão a cada dia mais preocupados, porque há poucas semanas entrou em vigor normas do Banco Central (BC) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que passa a responsabilizar também a alta administração caso crimes de lavagem aconteça sem que o banco esteja monitorando. A presidente da consultoria Zela, especializada no assunto, Mariana Tumbiolo, diz que até então apenas o diretor de conformidade era responsabilizado. Um dos casos mais conhecidos é o do diretor de conformidade do Banco Rural que foi condenado no caso do mensalão. Ele não tinha ligação direta com o crime, mas o fato de ser responsável pelo sistema do banco, que deveria ter detectado irregularidades, o tornou réu no processo. Agora, a regra diz que também o presidente do banco é responsável por conhecer o seu cliente e vai responder caso deixe o crime passar pela sua instituição.
O gerente de prevenção à lavagem de dinheiro do Bradesco, Alceu Del Petri Filho, disse em uma live recente promovida pela Zela, que está preocupado com as movimentações de pequena monta e alertou que basta um participante do sistema deixar um criminoso entrar para contaminar todos os outros. Como conhecer este cliente pequeno criminoso, muitas vezes ligado à tráfico de drogas e que não está na lista dos mais procurados? Além disso, o PIX abriga uma série de instituições que não são bancos e que sequer são fiscalizadas pelo Banco Central.
O gerente do BC, Gerson Romantini, garante que as regras serão suficientes e explica que todos os participantes diretos do PIX terão de apresentar seus planos de combate à lavagem até março do próximo ano. São 762 participantes somente nesta primeira fase. Outro ponto importante é que as instituições terão de, não só conhecer seu cliente, mas também ter responsabilidades sobre seus parceiros.
Fintechs
Nomes como Nubank ou MercadoPago (instituição de pagamento do Mercado Livre) que estão hoje no topo da lista das instituições que mais registraram chaves dos clientes para o início do PIX, em meados de novembro, já possuem times exclusivos cuidando da questão de lavagem de dinheiro. O Nubank diz que as transações feitas com o PIX terão as mesmas camadas de segurança já adotadas nas transferências via TED ou Doc. A chefe da área no Mercado Livre no Brasil, Fabiana Marchezini, diz que as regras do PIX trazem inclusive uma novidade que não havia no TED ou DOC, que é a possibilidade de conversa imediata sobre operações suspeitas com outras instituições do mercado. Em um sistema tão rápido quanto o PIX, quanto maior for a velocidade na comunicação, melhor. Mas a tecnologia, que é aliada destas instituições no quesito experiência do cliente, não é ainda suficiente para fazer toda a análise de risco. Marchezini explica que a inteligência artificial ainda é incipiente nesta área e que são necessárias revisões manuais, ou seja, feita por pessoas. A tecnologia, no entanto, facilita às instituições conhecerem melhor os seus clientes, ao cruzar dados de listas de pessoas politicamente expostas ou de dossiês com dados públicos das pessoas.
Uma questão falha ainda é a comprovação da identidade, na visão de José Eduardo Moreira Bergo, que foi diretor de segurança do Banco do Brasil. Hoje, cada estado pode emitir sua identidade, sem contar as identidades profissionais, como a carteira da Ordem dos Advogados do Brasil, que também são documentos oficiais. Além disso, existe um problema extra quando é preciso checar se a pessoa é sócia de alguma empresa. Bergo diz que apesar da digitalização, boa parte das juntas comerciais nos estados ainda requer que uma pessoa vá até a entidade e solicite o documento. Isso pode ser uma brecha para que lavadores de dinheiro entrem no sistema via pequenas instituições, que eventualmente não consigam fazer monitoramentos mais precisos. A Lava Jato, no entanto, mostrou que mesmo os grandes bancos têm falhas. No caso do PIX, vai ser mais fácil rastrear o dinheiro de crime porque as marcas digitais vão acompanhar o movimento, vai ter menos dinheiro vivo circulando no mercado, mas ainda assim, os bancos e fintechs já esperam a ação dos criminosos.