Em 2015, o governo basicamente gastará mais do que no ano passado e não conseguirá fazer uma grande economia para pagar os juros da dívida. Essa foi a mensagem transmitida nas entrelinhas do anúncio de quarta-feira, em que os ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa reduziram de 1,1% para 0,15% a meta fiscal, além de cortarem também as metas de 2016 e 2017. A dupla alegou que a redução da meta era explicada pela queda nas perspectivas de receita e aumento de gastos este ano. Em suma, os gastos públicos chegarão ao patamar de 19% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano, ante 18% no ano passado. Já o contingenciamento de 69 bilhões de reais anunciado no início do ano, somado ao corte de 8,6 bilhões de reais revelado na quarta-feira, não deverá ser suficiente para fazer frente à trajetória de alta dos gastos, nem à queda da arrecadação. Os ministros também afirmaram que poderão se valer de descontos de até 26 bilhões de reais na nova meta fiscal, caso não consigam – por força das circunstâncias políticas – aprovar novas medidas provisórias que ampliem a arrecadação. Ou seja, a economia para pagar os juros pode terminar o ano zerada – ou até mesmo no vermelho, com déficit fiscal.
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Para entender o fluxo de caixa do governo, recorrer ao orçamento doméstico é sempre boa pedida. Uma família endividada que planeja, até o final do ano, economizar um montante para quitar seus débitos, deve empreender alguns esforços, como cortar gastos supérfluos ou até mesmo vender bens, se a situação exigir. Se essa família fosse o governo, a notícia de quarta é um balde de água fria porque mostra que os esforços necessários para tal poupança não estão sendo empreendidos. Como resultado, da mesma forma que a família pode chegar ao final do ano com menos crédito no banco, por que não conseguiu quitar o endividamento já existente, o Brasil também pode ser penalizado no lado do crédito, ao perder o selo de bom pagador fixado pelas agências de classificação de risco. Muitos fundos estrangeiros não podem, por estatuto, aplicar dinheiro em países sem grau de investimento. Assim, se o país for rebaixado, não só pagará mais para captar recursos, como também deve enfrentar saída de capitais.
A redução da meta fiscal já era esperada pelo mercado – mas não nesse patamar. Agências de classificação de risco gostam de trabalhar com expectativas realistas, e se um país percebe que não terá condições de cumprir o prometido, o melhor a fazer é retraçar a rota. O problema é que, ao estabelecer uma meta próxima de zero para este ano, e reduzir drasticamente os objetivos fiscais de 2016 e 2017, o governo transmite a mensagem de que resolveu fatiar o esforço e prolongá-lo, em vez de concentrá-lo logo no primeiro ano de mandato. O mercado digeriu mal a mudança por que, ao estender a agonia, o governo também prolonga a elevação da dívida pública, altamente atrelada à Selic e ao dólar. Segundo análise do banco UBS, o governo precisa de um superávit de 2% a 2,5% do PIB em 2016 e 2017 para que a dívida retome trajetória de queda, considerando um cenário em que a economia brasileira saia da estagnação. Contudo, ao cortar a meta para 0,7% e 1,3%, respectivamente, o governo sinaliza que a estabilização da dívida pode levar mais tempo – apesar de afirmar, no documento, que isso deve ocorrer já em 2016.
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Economistas ouvidos pelo site de VEJA acreditam que o contrário ocorrerá: um aumento da dívida até, pelo menos, 2018, devido ao peso dos juros. Para que ela pare de subir, será necessário que, em vez de o governo gastar 7,2% do PIB com juros, como ocorre este ano, o gasto não passe de 4,2%. Com a Selic em trajetória de alta, a economia moribunda e a política fiscal ainda ineficaz, torna-se difícil prever que o endividamento público encontre trégua até mesmo em 2018. “Ainda que reconheçamos a importância de uma meta mais realista, acreditamos que os objetivos atuais sejam muito baixos para sinalizar melhora no lado fiscal”, dizem os analistas do UBS.
O economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, acredita que a meta de estabilização da dívida para o ano que vem derruba a credibilidade da política fiscal. “Seria preciso cortar na carne, mudar a lei, se o orçamento é muito rígido. Por que não mudar a regra do salário mínimo?”, questiona. Para o economista, não importa o ambiente político fragmentado, em que a presidente perde apoio de aliados e popularidade a cada dia, e que torna mudanças que envolvam o Congresso cada vez mais desgastantes. “Política não pode servir de desculpa para tudo. Tem que ter liderança. Ninguém é eleito presidente só para andar de bicicleta em Brasília”, afirma.
Para José Alfredo Coutiño, da Moody’s, se o ajuste fiscal não for executado por completo – prolongado ou não – o país pode ser tragado pela “síndrome grega”, de sofrimento lento, gradual e, ao final, insuficiente. “A combinação de meta fiscal mais realista e cortes de gastos vai na direção certa. Mas é preciso concretizá-la”, diz.