Desde o discurso do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em rede nacional de televisão na noite de segunda-feira, quase não houve avanço nas negociações sobre a elevação do teto da dívida americana. Enquanto os partidos (republicano e democrata) e a presidência não chegam a um acordo, o país aproxima-se perigosamente da data-limite de 2 de agosto – a partir de quando o governo não poderá emitir novas dívidas e ficará sem dinheiro para cobrir despesas. Tamanha proximidade mexe com os humores, não só dos mercados financeiros, mas também dos cidadãos americanos.
Nesta terça-feira, a tensão cresceu ainda mais graças a uma notícia vinda de Washington. A Casa Branca, em uma mostra de que pretende endurecer sua postura, divulgou um comunicado em que afirma abertamente que, sem o aumento do teto da dívida, haverá moratória. De acordo com a presidência, os Estados Unidos não possuem “espaço de manobra” para evitar o default (calote).
Confira as novas propostas do Congresso para quadro fiscal americano
O Tesouro estima que, após 2 de agosto, ou seja, daqui a uma semana, o limite da dívida, atualmente em 14,2 trilhões de dólares, será atingido. A partir disso, o governo ficará sem recursos suficientes para cobrir os gastos. Especialistas estimam que serão necessários cortes imediatos da ordem de 45% do Orçamento e a Casa Branca não será capaz de honrar seus compromissos financeiros com os juros dos títulos da dívida – pagos a credores como China e Brasil, por exemplo.
Em vista disso, instituições financeiras de peso começam a duvidar que o acordo sairá a tempo. “É possível que este drama do Orçamento se estenda até o meio de agosto, quando o Tesouro será de fato incapaz de cumprir com suas obrigações de pagamentos”, aponta um relatório divulgado pelo banco britânico HSBC. É que, diferentemente do que afirma a Casa Branca, a instituição financeira avalia que o Tesouro conseguiria evitar o calote por mais alguns dias. O órgão, na visão do HSBC, poderia vender alguns ativos antes de ver seus recursos se esvaírem por completo.
Desgaste político – Independentemente da data correta da moratória (se em 2 ou em 15 de agosto), a tensão já é grande entre os americanos. Pesquisa da Reuters/Ipsos, divulgada nesta terça-feira, revelou que 83% dos entrevistados disseram estar preocupados com um fracasso das negociações sobre a dívida, sendo que 54% afirmaram estar muito apreensivos.
Os partidos têm dificuldade de fechar um acordo graças à crescente politização, que já beira à irresponsabilidade, do debate. A preocupação é com a corrida eleitoral de 2012. O tiro, contudo, pode sair pela culatra. O estudo aponta que 31% das pessoas culpariam os republicanos por uma moratória da dívida soberana. O presidente seria apontado como responsável por 21% dos cidadãos. Já os políticos democratas têm a imagem menos prejudicada: apenas 9% veriam neles a culpa por um calote.
Planos – Neste ambiente de visível desgaste político, o presidente da Câmara dos Representantes, o republicano John Boehner, passou o dia insistindo num plano que prevê cortes da ordem de 3 trilhões de dólares e impõe limites a gastos futuros. As chances de o projeto decolar, contudo, são mínimas. A proposta enfrenta críticas dentro de seu próprio partido, especialmente do “Clube do Crescimento” – um grupo de senadores contrário ao aumento de impostos. Para eles, a proposta de Boehner não oferece soluções – entendam-se cortes – suficientes para a questão fiscal. Além disso, um estudo do Departamento de Orçamento do Congresso (CBO, em inglês) dos EUA anunciou que o plano de redução do déficit público apoiado pelo Partido Republicano diminuiria em ‘apenas’ 850 bilhões de dólares o buraco nas contas do governo federal ao longo dos próximos 10 anos – ou 350 bilhões de dólares a menos do que previam os membros do partido. Por conta disso, o deputado Boehner já estaria trabalhando em uma reformulação do plano.
Do lado democrata, há a opção apresentada pelo senador Harry Reid (veja quadro), que tende a ser endossada por Obama. O projeto prevê aumento do teto da dívida em 2,7 trilhões de dólares até 2012 e cortes com o mesmo valor, ou seja, da ordem de 2,7 trilhões de dólares. A proposta, que ainda não foi colocada em votação, atende a duas demandas dos republicanos. Em primeiro lugar, não contempla a elevação dos impostos e, em segundo, o valor do corte é pelo menos equivalente ao valor do acréscimo no teto da dívida.
O senador republicano Mitch McConell – o mesmo que chegou a traçar um plano que daria poderes excepcionais ao presidente Obama para que pudesse aumentar o teto sozinho – chamou, mais uma vez, os políticos ao consenso. “Não há como chegar a uma solução perfeita, partindo do ponto de vista que controlamos apenas a Câmara dos Representante. Por isso estou preparado para aceitar algo menos que perfeito”, afirmou o senador, conforme informou a CNN.
Nervosismo – Por conta desta indefinição, e da possibilidade de moratória, além da revisão da nota de classificação de risco americana, a cotação do dólar caiu no mundo todo. No Brasil, os efeitos também foram sentidos. O valor do dólar à vista fechou a 1,5388 real para venda, com baixa de 0,35%. Na mínima do dia, a divisa chegou a ter declínio de cerca de 1%, para 1,5284 real.
As bolsas também sentiram. Em São Paulo, o índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa) fechou com queda de 1,05%, a 59.339 pontos. Já o Dow Jones mostrou um decréscimo de 0,73%. Investidores em geral venderam ações e dólares e compraram ouro e petróleo. Ironicamente, subiram também os preços dos títulos do Tesouro dos EUA – provável reflexo da falta de opções para investimentos ‘seguros’.
Até a nova chefe do Fundo Monetário Internacional, a francesa Christine Lagarde, resolveu interferir. De acordo com ela, os líderes americanos devem mostrar a mesma ‘coragem política’ que os líderes europeus mostraram no caso grego.