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Mesmo com concessões, governo vê PEC Emergencial como ganho institucional

A proposta que retoma o auxílio emergencial projeta gatilhos que travam gastos e dão mais previsibilidade à dívida pública

Por Carlos Valim, Josette Goulart, Luisa Purchio Atualizado em 4 jun 2024, 13h16 - Publicado em 12 mar 2021, 06h00
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  • Nem derrota clamorosa nem uma vitória folgada. O governo viu a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial, uma semana depois de ser aprovada no Senado, avançar na Câmara em meio a tensas negociações, ameaças a pontos importantes e até o risco de perder a sua função original, a de realizar cortes nos gastos públicos em situações extraordinárias. Foi no sufoco, mas passou. Não por acaso apelidado de PEC Emergencial, o dispositivo é uma prioridade para a equipe econômica desde que foi criado, em 2019, mas só entrou em votação no Congresso nas últimas semanas como forma de sustentar a ação de combate à pandemia do coronavírus. São os cortes e ajustes propostos no texto que sustentarão a volta do auxílio emergencial, o benefício dado aos mais pobres no ano passado que ajudou parte relevante da população a enfrentar os impactos da queda da economia do Brasil, provocados pela Covid-19. “Foi um movimento muito importante — e rápido — das duas Casas na direção que o Brasil precisa”, comemorou o presidente da Câmara, Arthur Lira.

    arte Eco PEC

    Uma medida de forte apelo popular, o retorno do auxílio promete garantir, ao presidente Jair Bolsonaro e aos congressistas, muitos dividendos políticos, ao mesmo tempo que ajuda a combater uma provável baixa da atividade econômica causada pelas novas contaminações. A proposta, que ainda será detalhada em medida provisória, custará cerca de 44 bilhões de reais ao governo, com benefícios entre 175 e 375 reais a ser pagos por quatro meses, entre março e junho. A grande preocupação da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, era como fazer esses pagamentos sem deteriorar as já combalidas contas públicas do país ou assustar o mercado financeiro, ainda mais depois do gasto extraordinário de 635 bilhões de reais de estímulos já concedidos em 2020. A saída encontrada pelo ministério foi atrelar o auxílio à PEC Emergencial, assim o impacto fiscal seria contrabalanceado por medidas de austeridade. A estratégia de Guedes foi adicionar diversos dispositivos de cortes de custos.

    Desde que o texto original foi apresentado, no início do mês, a proposta foi atacada de todos os lados — de congressistas de oposição a aliados, e até por movimentações estimuladas pelo Palácio do Planalto — por contrariar interesses corporativos e eleitoreiros. Na quarta-feira 10, encerrada a primeira etapa de votações na Câmara, o sentimento no alto escalão do Ministério da Economia foi de alívio, mesmo que o texto houvesse passado por alterações substanciais. Para a equipe econômica o ponto principal ficou de pé, e isso foi visto como um importante ganho institucional. A análise foi referendada pelo mercado financeiro e refletiu-se no Ibovespa, que fechou em alta no dia, e na cotação do dólar, que apresentou queda.

    A PEC Emergencial tem origem numa falha de redação de uma outra PEC, a do teto de gastos, aprovada em 2016 ainda no governo de Michel Temer. O projeto anterior previa um rigoroso controle orçamentário, mas não oferecia mecanismos de ação caso as contas se aproximassem de estourar. Agora, a partir da promulgação do novo texto, o governo atual e os futuros devem adotar gatilhos como congelar salários e suspender concursos e contratações de servidores públicos sempre que a despesa obrigatória ultrapassar a marca de 95% dos gastos totais ou que se decretar calamidade pública nacional, como aconteceu com a Covid-19. O acionamento de tais gatilhos também se estenderá para estados e municípios, dando mais previsibilidade a toda a dívida pública.

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    Além desses pontos, outras medidas que serão regulamentadas em leis posteriores, vinculadas à PEC, preveem que o governo apresente cortes de benefícios tributários dados a setores específicos — um dos mais antigos desejos de Guedes no governo — e a criação de regras, indicadores e ações visando à sustentabilidade da dívida pública. Essa última iniciativa funcionaria como o que se chama de âncora fiscal, num modelo similar ao adotado pela Suécia. Mais importante que tudo isso, a PEC cria um seguro do governo contra o próprio governo. Bolsonaro tem demonstrado uma nítida guinada populista em questões econômicas, intervindo mais na área de Guedes, nos últimos tempos — um movimento que, segundo analistas, pode se intensificar com a volta de Luiz Inácio Lula da Silva à arena eleitoral. Agora, tanto Bolsonaro como os próximos presidentes da República serão travados em seus arroubos perdulários de cunho eleitoreiro quando a conta chegar aos 95% de gastos obrigatórios.

    Neófito nos princípios do liberalismo e com forte tendência a atender aos apelos corporativistas de sua base política, Bolsonaro colocou a PEC em risco algumas vezes em sua tramitação. Na última semana, o presidente indicou que gostaria de retirar os profissionais de segurança pública, como policiais e delegados, do alcance da PEC. Chegou, ele próprio, a vocalizar os interesses da bancada da segurança, formada por cerca de cinquenta deputados, que exigia mudanças no texto. “Da minha parte, falei com o relator que ele poderia correr risco de não aprovar (a PEC) se não mexesse em três artigos”, disse na segunda-feira. A declaração ameaçou o projeto e, para evitar o desastre, Arthur Lira (PP-AL) entrou em cena e se reuniu no dia seguinte com o relator do projeto, o deputado Daniel Freitas (PSL-SC), e líderes de partidos. Até o senador Flávio Bolsonaro foi chamado para resolver a questão junto ao pai. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, muito respeitado por Bolsonaro e seus seguidores, se dedicou a explicar aos congressistas que essa iniciativa causaria mal-estar no mercado, aumentando as pressões para uma alta da inflação e dos juros. Campos de certa forma assumiu um papel que seria de Guedes, mas o ministro já estava desgastado pelos embates na tramitação do projeto no Senado. Na ocasião, a base do governo tentou retirar o Bolsa Família da alçada do teto de gastos, o que abriria espaço para liberar mais dinheiro para emendas de parlamentares — isso teria deixado o mercado financeiro em polvorosa.

    Mesmo com concessões, governo vê PEC Emergencial como ganho institucional
    BOMBEIROS - O deputado Daniel Freitas e o presidente do BC, Campos Neto: acionados para evitar uma desidratação ainda maior do projeto – (Pablo Valadares/Câmara dos Deputados/Raphael Ribeiro/BCB/.)
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    Tamanha articulação levou à aprovação do texto-base da PEC no mesmo dia, em primeiro turno na Câmara, sem nenhuma alteração em relação à versão aprovada na semana anterior no Senado. Imediatamente, policiais iniciaram uma gritaria em defesa de seus interesses, ameaçando greve e chamando Bolsonaro de traidor. Na votação dos destaques, na tarde de quarta, o governo sofreu um baque quando, a partir de um destaque do PDT, se derrubou um dispositivo que eliminava a vinculação de receitas com impostos a fundos, órgãos ou a despesas específicas e beneficiava diretamente a Receita Federal e seus servidores. A medida tinha pouco impacto no contexto da PEC, mas acionou um sinal de alarme sob a justificativa de que era importante evitar novas derrotas, principalmente no caso de um outro destaque, esse apresentado pelo PT, que derrubava as restrições ligadas ao congelamento dos salários do funcionalismo.

    Os cinquenta deputados ligados às forças policiais, a chamada bancada da bala, já se mostravam dispostos a votar o destaque petista quando o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), negociou um acordo em plenário. A proposta do PT seria derrubada, mas o governo se comprometia a apoiar no segundo turno, realizado no dia seguinte, outro destaque que manteria as promoções e progressões de carreira do funcionalismo, mas bloqueava os aumentos salariais automáticos. “Foi-se um braço, mas preservou-se o corpo”, resumiu Freitas a VEJA.

    Em termos de impacto fiscal, a equipe econômica considerou a concessão um movimento bem-feito e de resultado positivo. Manter a progressão dos cargos reduz a economia em 1,5 bilhão de reais ao ano, segundo estimativas de mercado. Mas a contenção dos demais reajustes que foi aprovada tem impacto de 15 bilhões de reais por ano. Em dois anos, são 30 bilhões de reais, o que já cobre parte importante dos gastos de 44 bilhões de reais com o auxílio emergencial. “Não desidrata completamente a PEC, o governo entendeu como uma boa barganha e o mercado aceitou”, analisa Marilia Fontes, sócia-fundadora da consultoria de investimentos Nord Research. Com isso, cada um garantiu seu quinhão na vitória.

    Publicado em VEJA de 17 de março de 2021, edição nº 2729

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