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Mesmo com concessões, governo vê PEC Emergencial como ganho institucional

A proposta que retoma o auxílio emergencial projeta gatilhos que travam gastos e dão mais previsibilidade à dívida pública

Por Carlos Valim, Josette Goulart, Luisa Purchio Atualizado em 12 mar 2021, 10h53 - Publicado em 12 mar 2021, 06h00

Nem derrota clamorosa nem uma vitória folgada. O governo viu a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial, uma semana depois de ser aprovada no Senado, avançar na Câmara em meio a tensas negociações, ameaças a pontos importantes e até o risco de perder a sua função original, a de realizar cortes nos gastos públicos em situações extraordinárias. Foi no sufoco, mas passou. Não por acaso apelidado de PEC Emergencial, o dispositivo é uma prioridade para a equipe econômica desde que foi criado, em 2019, mas só entrou em votação no Congresso nas últimas semanas como forma de sustentar a ação de combate à pandemia do coronavírus. São os cortes e ajustes propostos no texto que sustentarão a volta do auxílio emergencial, o benefício dado aos mais pobres no ano passado que ajudou parte relevante da população a enfrentar os impactos da queda da economia do Brasil, provocados pela Covid-19. “Foi um movimento muito importante — e rápido — das duas Casas na direção que o Brasil precisa”, comemorou o presidente da Câmara, Arthur Lira.

arte Eco PEC

Uma medida de forte apelo popular, o retorno do auxílio promete garantir, ao presidente Jair Bolsonaro e aos congressistas, muitos dividendos políticos, ao mesmo tempo que ajuda a combater uma provável baixa da atividade econômica causada pelas novas contaminações. A proposta, que ainda será detalhada em medida provisória, custará cerca de 44 bilhões de reais ao governo, com benefícios entre 175 e 375 reais a ser pagos por quatro meses, entre março e junho. A grande preocupação da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, era como fazer esses pagamentos sem deteriorar as já combalidas contas públicas do país ou assustar o mercado financeiro, ainda mais depois do gasto extraordinário de 635 bilhões de reais de estímulos já concedidos em 2020. A saída encontrada pelo ministério foi atrelar o auxílio à PEC Emergencial, assim o impacto fiscal seria contrabalanceado por medidas de austeridade. A estratégia de Guedes foi adicionar diversos dispositivos de cortes de custos.

Desde que o texto original foi apresentado, no início do mês, a proposta foi atacada de todos os lados — de congressistas de oposição a aliados, e até por movimentações estimuladas pelo Palácio do Planalto — por contrariar interesses corporativos e eleitoreiros. Na quarta-feira 10, encerrada a primeira etapa de votações na Câmara, o sentimento no alto escalão do Ministério da Economia foi de alívio, mesmo que o texto houvesse passado por alterações substanciais. Para a equipe econômica o ponto principal ficou de pé, e isso foi visto como um importante ganho institucional. A análise foi referendada pelo mercado financeiro e refletiu-se no Ibovespa, que fechou em alta no dia, e na cotação do dólar, que apresentou queda.

A PEC Emergencial tem origem numa falha de redação de uma outra PEC, a do teto de gastos, aprovada em 2016 ainda no governo de Michel Temer. O projeto anterior previa um rigoroso controle orçamentário, mas não oferecia mecanismos de ação caso as contas se aproximassem de estourar. Agora, a partir da promulgação do novo texto, o governo atual e os futuros devem adotar gatilhos como congelar salários e suspender concursos e contratações de servidores públicos sempre que a despesa obrigatória ultrapassar a marca de 95% dos gastos totais ou que se decretar calamidade pública nacional, como aconteceu com a Covid-19. O acionamento de tais gatilhos também se estenderá para estados e municípios, dando mais previsibilidade a toda a dívida pública.

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Além desses pontos, outras medidas que serão regulamentadas em leis posteriores, vinculadas à PEC, preveem que o governo apresente cortes de benefícios tributários dados a setores específicos — um dos mais antigos desejos de Guedes no governo — e a criação de regras, indicadores e ações visando à sustentabilidade da dívida pública. Essa última iniciativa funcionaria como o que se chama de âncora fiscal, num modelo similar ao adotado pela Suécia. Mais importante que tudo isso, a PEC cria um seguro do governo contra o próprio governo. Bolsonaro tem demonstrado uma nítida guinada populista em questões econômicas, intervindo mais na área de Guedes, nos últimos tempos — um movimento que, segundo analistas, pode se intensificar com a volta de Luiz Inácio Lula da Silva à arena eleitoral. Agora, tanto Bolsonaro como os próximos presidentes da República serão travados em seus arroubos perdulários de cunho eleitoreiro quando a conta chegar aos 95% de gastos obrigatórios.

Neófito nos princípios do liberalismo e com forte tendência a atender aos apelos corporativistas de sua base política, Bolsonaro colocou a PEC em risco algumas vezes em sua tramitação. Na última semana, o presidente indicou que gostaria de retirar os profissionais de segurança pública, como policiais e delegados, do alcance da PEC. Chegou, ele próprio, a vocalizar os interesses da bancada da segurança, formada por cerca de cinquenta deputados, que exigia mudanças no texto. “Da minha parte, falei com o relator que ele poderia correr risco de não aprovar (a PEC) se não mexesse em três artigos”, disse na segunda-feira. A declaração ameaçou o projeto e, para evitar o desastre, Arthur Lira (PP-AL) entrou em cena e se reuniu no dia seguinte com o relator do projeto, o deputado Daniel Freitas (PSL-SC), e líderes de partidos. Até o senador Flávio Bolsonaro foi chamado para resolver a questão junto ao pai. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, muito respeitado por Bolsonaro e seus seguidores, se dedicou a explicar aos congressistas que essa iniciativa causaria mal-estar no mercado, aumentando as pressões para uma alta da inflação e dos juros. Campos de certa forma assumiu um papel que seria de Guedes, mas o ministro já estava desgastado pelos embates na tramitação do projeto no Senado. Na ocasião, a base do governo tentou retirar o Bolsa Família da alçada do teto de gastos, o que abriria espaço para liberar mais dinheiro para emendas de parlamentares — isso teria deixado o mercado financeiro em polvorosa.

BOMBEIROS - O deputado Daniel Freitas e o presidente do BC, Campos Neto: acionados para evitar uma desidratação ainda maior do projeto -
BOMBEIROS - O deputado Daniel Freitas e o presidente do BC, Campos Neto: acionados para evitar uma desidratação ainda maior do projeto – (Pablo Valadares/Câmara dos Deputados/Raphael Ribeiro/BCB/.)

Tamanha articulação levou à aprovação do texto-base da PEC no mesmo dia, em primeiro turno na Câmara, sem nenhuma alteração em relação à versão aprovada na semana anterior no Senado. Imediatamente, policiais iniciaram uma gritaria em defesa de seus interesses, ameaçando greve e chamando Bolsonaro de traidor. Na votação dos destaques, na tarde de quarta, o governo sofreu um baque quando, a partir de um destaque do PDT, se derrubou um dispositivo que eliminava a vinculação de receitas com impostos a fundos, órgãos ou a despesas específicas e beneficiava diretamente a Receita Federal e seus servidores. A medida tinha pouco impacto no contexto da PEC, mas acionou um sinal de alarme sob a justificativa de que era importante evitar novas derrotas, principalmente no caso de um outro destaque, esse apresentado pelo PT, que derrubava as restrições ligadas ao congelamento dos salários do funcionalismo.

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Os cinquenta deputados ligados às forças policiais, a chamada bancada da bala, já se mostravam dispostos a votar o destaque petista quando o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), negociou um acordo em plenário. A proposta do PT seria derrubada, mas o governo se comprometia a apoiar no segundo turno, realizado no dia seguinte, outro destaque que manteria as promoções e progressões de carreira do funcionalismo, mas bloqueava os aumentos salariais automáticos. “Foi-se um braço, mas preservou-se o corpo”, resumiu Freitas a VEJA.

Em termos de impacto fiscal, a equipe econômica considerou a concessão um movimento bem-feito e de resultado positivo. Manter a progressão dos cargos reduz a economia em 1,5 bilhão de reais ao ano, segundo estimativas de mercado. Mas a contenção dos demais reajustes que foi aprovada tem impacto de 15 bilhões de reais por ano. Em dois anos, são 30 bilhões de reais, o que já cobre parte importante dos gastos de 44 bilhões de reais com o auxílio emergencial. “Não desidrata completamente a PEC, o governo entendeu como uma boa barganha e o mercado aceitou”, analisa Marilia Fontes, sócia-fundadora da consultoria de investimentos Nord Research. Com isso, cada um garantiu seu quinhão na vitória.

Publicado em VEJA de 17 de março de 2021, edição nº 2729

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