Nunca a prestação de um financiamento coube tanto no bolso do consumidor brasileiro. O valor médio da prestação para comprar um bem durável de R$ 1 mil, como uma geladeira, era de R$ 73,01 ao mês no fim do ano passado, conforme cálculos da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). É o menor valor, em termos reais, descontando a inflação, desde que a CNC começou a fazer esse cálculo, em março de 2011.
O resultado sugere que as famílias estariam prontas para começar um ciclo de consumo desses produtos, mas um avanço maior é freado pelo desemprego elevado. Semana passada, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que há 12,7 milhões de brasileiros desempregados. Quando se leva em conta os desalentados (que desistiram de buscar uma vaga) e aqueles que trabalham menos do que gostariam, o contingente vai a 27,5 milhões.
Para chegar ao valor da prestação, os economistas da CNC levam em conta a taxa de juros média ao consumidor de 24,1% ao ano e o prazo médio de 16,5 meses, medidos pelo Banco Central (BC) em dezembro de 2018. Em dezembro de 2011, o valor era de R$ 100,52, pelos mesmos parâmetros.
Segundo o economista-chefe da CNC, Fábio Bentes, o peso menor das prestações é explicado pela redução das taxas de juros e um alongamento dos prazos de financiamento. A Selic, taxa básica de juros, está em 6,5% desde março de 2018.
Ao longo desse ciclo de reduções na Selic, a percepção de muitos consumidores era de que o alívio não chegava ao varejo. Para Bentes, a análise da série histórica da CNC mostra que o repasse foi lento. Mas a Selic não explica todo o movimento. A redução da inadimplência e a baixa procura por crédito também levaram os bancos a reduzirem suas taxas.
Desânimo
Ainda assim, o consumo segue frágil. Em 2018, o consumo das famílias puxou o Produto Interno Bruto (PIB), mas a alta de 1,9% ficou pouco acima do avanço de 1,4% de 2017. A queda do valor da prestação é insuficiente para mudar o quadro porque, segundo Bentes, ainda existe “insegurança em relação ao emprego”.
Segundo Viviane Seda, coordenadora da Sondagem do Consumidor, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), houve recuperação, nos últimos três meses, do indicador de intenção de compra de duráveis, componente do Índice de Confiança do Consumidor (ICC). “As taxas de juros já estão baixas há algum tempo”, diz.
Só que esse movimento parece mais associado à expectativa de melhora da economia nos próximos seis meses e à depreciação de bens como geladeira, fogão e geladeira do que à melhoria na condição financeira para comprar esses itens.
O consumidor ainda não percebe que as condições de financiamento estão melhores, diz a pesquisadora da FGV. Segundo ela, isso ocorre porque o cliente tende a perceber mais a piora de condições do que os avanços.
O estivador aposentado Carlos Alberto da Silva, 58 anos, e sua esposa, Rosineide dos Santos, de 55 anos, estão entre os que ainda acham o juro alto. Em busca de geladeira e fogão novos, eles disseram que pretendem pagar os eletrodomésticos à vista. “Estamos olhando na loja para comprar pela internet”, conta Silva, que diz não ter pressa em concretizar a aquisição.
A exemplo de outros brasileiros, a crise afetou a renda do casal. Embora a aposentadoria de Silva tenha protegido os dois de uma queda significativa, Rosineide, que é diarista, conta que hoje trabalha duas vezes por semana – antes, tinha a agenda cheia de segunda a sábado.
O chef de cozinha Antônio Fernando de Moura, 40 anos, viu sua renda cair ao se afastar do trabalho por causa da saúde – o benefício do INSS não é equivalente ao salário que recebia na ativa. Por isso, a ordem é ter cautela ao comprar uma nova máquina de lavar após 20 anos.
As ofertas de financiamento não seduzem Moura, que relata preferir juntar dinheiro e comprar à vista. “Uma televisão custa R$ 5 mil. Se parcelar, chega a quase R$ 6 mil”, disse Moura. Na loja do centro do Rio onde ele conversou com a reportagem, uma TV exposta por R$ 4.999 ficava na casa de R$ 5.300 no financiamento.