A queda do preço da gasolina e de outros combustíveis nas bombas ajudou a puxar o IPCA, principal índice de inflação do país, para baixo. E, pela primeira vez em 26 meses, o indicador veio em deflação. O IPCA de julho foi de -0,68%, contra 0,67% registrado no mês anterior e dentro da expectativa do mercado. Além de ser a primeira variação de preços no negativo desde o começo da pandemia de Covid-19, que paralisou a economia, é a maior deflação já registrada no período após o Plano Real e, segundo o IBGE, desde o início da série histórica do indicador, em 1980. No acumulado dos últimos doze meses, no entanto, a inflação continua na casa dos dois dígitos, em 10,07%.
Segundo os dados do IBGE divulgados nesta terça-feira, 9, a queda no indicador tem grande influência dos preços dos combustíveis, já que, dos nove grupos analisados, apenas transporte e habitação tiveram a variação negativa. No mês, postos passaram a vender gasolina e etanol mais barato devido à redução do ICMS sobre esses produtos em quase todo o país após a aprovação do projeto de lei que estabeleceu um teto de até 18% para combustíveis, uma das grandes vitórias do presidente Jair Bolsonaro (PL) e sua base. Além disso, a Petrobras reajustou duas vezes para baixo o preço da gasolina vendida nas refinarias no período. Como os transportes, grupo no qual os combustíveis estão inseridos, é o de maior peso no IPCA, a redução do preço dos combustíveis ajuda a puxar o indicador para baixo.
Os preços da gasolina caíram 15,48% e os do etanol, 11,38%. A gasolina, individualmente, contribuiu com o impacto negativo mais intenso entre os 377 subitens que compõem o IPCA, com -1,04 ponto. Além disso, também foi registrada queda no preço do gás veicular, com -5,67%.
O gerente da pesquisa, Pedro Kislanov, destaca que o PL do ICMS também afetou outros grupos, como habitação que também teve o imposto limitado. No mês, o grupo caiu -1,05%, por conta da energia elétrica (-5,78%). “Foram esses dois grupos, os únicos com variação negativa do índice, que puxaram o resultado para baixo”, explica.
Outro grupo que contribuiu para o resultado da inflação foi vestuário, com uma desaceleração de 1,67% para 0,58%, após apresentar a maior variação positiva entre os grupos pesquisados nos meses de maio e junho devido à queda do preço do algodão. Também mostrou ritmo de desaceleração o grupo de saúde e cuidados pessoais (0,49%) devido à variação inferior dos valores dos planos de saúde (1,13%), na comparação com o mês de junho (2,99%), e à queda de 0,23% dos itens de higiene pessoal, frente à alta de 0,55% em junho.
Peso no mercado
Enquanto isso, os alimentos ficaram mais caros. O grupo teve a maior variação no mês, de 1,30% (contra 0,8% no mês anterior) e ajuda a explicar o porquê, apesar da queda recorde, a sensação ao ir em um supermercado é que os produtos continuam caros. “ O resultado foi puxado pelo leite longa vida que subiu mais de 25% e pelos derivados do leite como queijo (5,28%) e manteiga (5,75%), por exemplo. Essa alta do produto se deve, principalmente, a dois fatores: primeiro porque estamos no período de entressafra, que vai mais ou menos de março até setembro, outubro, ou seja, um período em que as pastagens estão mais secas e isso reduz a oferta de leite no mercado e o fato de os custos da produção estarem muito altos”, comenta o gerente da pesquisa.
O grupo de despesas pessoais (1,13%) acelerou em relação ao mês anterior (0,49%) e contribuiu com o segundo maior impacto positivo (0,11 ponto percentual) no IPCA de julho. Os dois principais destaques foram os subitens empregado doméstico (1,25%) e cigarro (4,37%), este último por conta dos reajustes entre 4,44% e 8,70% nos preços dos produtos comercializados por uma das empresas pesquisadas, a partir de 3 de julho.
Como mostra VEJA desta semana, a desaceleração da inflação no Brasil tem como pano de fundo as bem vindas reduções nos impostos e também as ações do Banco Central, que há mais de um ano adota uma política monetária contracionista para tentar conter a alta dos preços. Tanto que, mesmo antes dessa deflação, o IPCA já vinha de dois meses de desaceleração no Brasil. O desafio, no entanto, são as consequências que ficam para o próximo ano, como um possível aumento nos preços administrados e também a incerteza fiscal trazida tanto pela eleição em si quanto pelas políticas populistas adotadas pelo governo Bolsonaro. Tudo isso pode fazer com que o país conviva mais tempo com a taxa de juros elevada.