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Inflação desacelera, mas medidas do governo podem ter curto impacto

Os sinais de respiro são ótima notícia para o país. No entanto, há dúvidas sobre a sustentabilidade da estratégia, que periga resultar em efeitos colaterais

Por Larissa Quintino, Carlos Valim 7 ago 2022, 08h00

Grande vilã do passado econômico brasileiro, a inflação era tida como um mal debelado até dar sinais de ressurreição no ano passado. Desde setembro, num revival tenebroso, o país passou a conviver com um índice acima dos 10%, no acumulado em doze meses. Motivo de imensa preocupação do presidente Jair Bolsonaro (e também de milhões de brasileiros), o descontrole nos preços e a deterioração da situação econômica no país foram alvo de uma colossal ofensiva do governo e sua base de apoio político. Sob pressão do desempenho insatisfatório nas pesquisas de intenção de voto, Bolsonaro protagonizou uma guerra aberta contra a Petrobras e a sua política de preços baseada no mercado internacional e engendrou ainda um multibilionário pacote de medidas para garantir um aumento de programas de transferência de renda até o fim do ano. Também não se furtou de travar uma dura queda de braço com os governadores, para que baixassem impostos no setor de energia. O resultado da empreitada, apoiada pelo Congresso, começa a aparecer nos dados de inflação do último mês, e deve se estender até agosto, dando sinais de respiro aos índices.

artes inflação

Há cerca de dois meses, o IPCA, indicador oficial de inflação, vem desacelerando e a prévia de julho foi a menor para um mês desde 2020. Além dos bem-vindos efeitos da fixação de um teto de ICMS para os combustíveis, o processo de desinflação tem como ator principal o Banco Central (BC) e a elevação nas taxas de juros. A grande dúvida é se haverá sustentabilidade nessa estratégia, que, se bem-sucedida, poderá preservar o grande legado do Plano Real à economia brasileira, ou se, passado o período eleitoral, os efeitos negativos, tanto da pressão inflacionária quanto das contas públicas afetadas pelas benesses ofertadas, se farão mais presentes. “Subsídios de impostos para energia são pouco mais do que um truque, um artifício. Não têm nada a ver com combater a inflação, o que é feito com uma política monetária competente e correta”, defende Steve Hanke, professor de economia aplicada da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, e um dos mais reconhecidos especialistas em hiperinflação do mundo. “O desempenho do Brasil em sua luta contra a inflação é resultado da política do Banco Central em relação aos juros”, avalia.

Dentro desse raciocínio, na quarta-­feira 3 o BC promoveu mais uma alta — a 12ª consecutiva — da taxa básica Selic, em 0,5 ponto porcentual. No início de 2021, a Selic estava em 2% ao ano, a taxa mais baixa da história, uma realidade completamente diversa dos atuais 13,75%. Especialistas na área e o mercado avaliam que o movimento de alta está chegando ao fim, mas o BC, presidido por Roberto Campos Neto, sinaliza que pode ser necessário ainda mais um ajuste. Para justificar a sua mais recente decisão, a autoridade monetária destacou que “as projeções de inflação para os anos de 2022 e 2023 estavam sujeitas a impactos elevados” e “é apropriado que o ciclo de aperto monetário continue avançando”. Juros altos são um remédio amargo que pode ter impacto direto sobre a atividade econômica futura. Mantido o aperto, os juros chegarão ao patamar do governo de Dilma Rousseff, quando atingiram 14,25% e acabaram contribuindo para criar uma das maiores e mais persistentes crises econômicas da história brasileira.

Assim como acontece no Brasil, nos países desenvolvidos a inflação tornou-se motivo de severa preocupação. No Hemisfério Norte, porém, a política de aperto nos juros é muito mais recente. A União Europeia, por exemplo, iniciou o movimento de elevação de taxas há apenas duas semanas. “Os europeus não sabiam o que era inflação havia muito tempo, os americanos também não. Então, tiveram uma reação mais lenta no que diz respeito ao aumento dos juros”, avalia o CEO da gestora de investimentos Mauá Capital e ex-diretor do BC, Luiz Fernando Figueiredo. “Faz quarenta anos que eles não lidam com isso, muita gente nunca tinha visto nada semelhante. Aqui, feliz ou infelizmente, sabemos lidar com a inflação.”

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Tal histórico explica as derrapadas internacionais na tentativa de debelar os aumentos de preços. Na zona do euro, pacotes de redução de impostos sobre eletricidade foram adotados no início do ano em países como Alemanha, Bélgica, Itália, Portugal e Espanha sem surtir o efeito esperado. Além da demanda aquecida pós-pandemia, a Europa tem sentido mais fortemente os riscos na oferta de energia devido ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia no Leste Europeu. Na França, o governo de Emmanuel Macron propôs no mês passado comprar os 15,9% das ações da EDF que pertencem à iniciativa privada, para controlar integralmente a estatal de energia. Assim, poderia manipular preços sem irritar os acionistas e fazer mais investimentos em energia nuclear, como alternativa ao gás russo. Do outro lado do Atlântico, o presidente americano Joe Biden atacou o lucro das refinarias e tentou aprovar no Congresso projetos de cortes de tributos. Sem maioria legislativa, não teve apoio político e enfrentou forte resistência dos economistas ortodoxos, uma vez que o custo dessas ações para o Estado pode ser muito alto.

SEM APOIO - O presidente Biden: as ideias de controle de preços não avançaram -
SEM APOIO - O presidente Biden: as ideias de controle de preços não avançaram – (Anna Moneymaker/Getty Images/AFP)

A instabilidade global criou efeitos surpreendentes, como o da inflação brasileira ficar muito próximo da registrada nas economias avançadas. Em junho, o índice acumulado em doze meses estava em 11,9%, contra 9,1% nos Estados Unidos e 8,9% na região do euro, trazendo curiosas consequências em nações marcadas pela estabilidade mas absolutamente banais por aqui. Nos Estados Unidos, a maior inflação em quatro décadas levou as tradicionais lojas com produtos a 1 dólar agora a vender a 1,25 ou 1,50. No Reino Unido, o cheeseburger do McDonald’s subiu pela primeira vez em catorze anos, passando de 99 pence para 1,19 libra.

À FRENTE - Campos Neto: o Brasil começou a subir os juros antes dos EUA e da Europa -
À FRENTE - Campos Neto: o Brasil começou a subir os juros antes dos EUA e da Europa – (Mateus Bonomi/AGIF/AFP)

Em julho e agosto, a paridade da inflação no Brasil com a dos países desenvolvidos será ainda maior, uma vez que a expectativa de alguns economistas é que ocorra até uma deflação no país nesses meses. Isso não significa que se trata de um problema menor. O IPCA previsto pelo mercado para o fim deste ano, de 7,15%, ainda fica acima do dobro da meta de inflação do BC, de 3,5%. E, mesmo que a alta esteja arrefecendo, as projeções para o próximo ano têm piorado semana a semana (veja o quadro na pág. 45) e já superam os 5%. O grande problema é que a estratégia combinada de combater a inflação a curto prazo pode causar problemas no futuro. “Além da ação do BC, os principais fatores de queda, como os cortes de impostos, têm efeitos que podem gerar deflação em agosto, mas são de impacto único. Apesar de ajudar, depois passa”, afirma o sócio da consultoria Tendências e ex-presidente do BC Gustavo Loyola.

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LEGADO PRESERVADO - Presidente Itamar Franco, no anúncio do Plano Real em 1994: risco de hiperinflação afastado -
LEGADO PRESERVADO - Presidente Itamar Franco, no anúncio do Plano Real em 1994: risco de hiperinflação afastado – (Márcio Arruda/Folhapress/.)

Muito do choque positivo do momento vem dos preços que são administrados pelo governo — como são os de energia, planos de saúde e medicamentos —, enquanto a inflação dos preços de livre mercado ainda sobe com força, como a dos alimentos. Nas projeções do mercado financeiro, os preços administrados tendem a registrar deflação na casa do 0,75% neste ano, a primeira queda desde o Plano Real. Como contrapartida, a estimativa de aumento para 2023 já passa dos 7%, uma vez que o represamento dos repasses deve acabar. A desoneração de impostos federais sobre os combustíveis vai só até o fim do ano (deveria continuar), bem como a redução do IPI para a indústria e os reajustes de tarifas de pedágios e de ônibus urbanos, congeladas em diversos municípios e estados. Se o governo eleito em 2023 não revir os reajustes ou os investidores sentirem que os benefícios concedidos às vésperas da eleição não serão compensados por meio de corte de custos na máquina pública, o dólar pode subir, encarecendo as importações.

O passado recente traz exemplos preocupantes envolvendo o controle da inflação em período eleitoral. Em 2014, em busca da reeleição, a presidente Dilma Rousseff segurou firme a alta dos preços administrados em 5,3%. Em 2015, depois de reeleita, liberou um ajuste que os catapultou em 18,1%. Com essa estratégia e outras similares, como manter reduções no IPI e subsidiar os combustíveis por meio da Petrobras, Dilma criou um ambiente ilusório de boas condições econômicas, ao mesmo tempo que causava grandes problemas às contas públicas, os quais ficariam explícitos pouco tempo depois. Em 2023, a história pode se repetir se as medidas se transformarem em uma herança maldita, com novas pressões inflacionárias e juros ainda mais altos. Fica a torcida para que nada disso aconteça.

Publicado em VEJA de 10 de agosto de 2022, edição nº 2801

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