“Procura-se elenco para comercial. Para participar, basta se encaixar nos seguintes requisitos: ter participado de um comercial de banco que tenha sido vetado e censurado nas últimas semanas. Pode ser homem, mulher, negro, branco, gay, hétero, trans, jovem, idoso. Curtir fazer selfie é opcional”.
Publicado nas redes sociais no último dia 2, o anúncio acima não veio de nenhuma startup moderninha da Vila Madalena, mas de um gigante internacional: o Burger King, rede de fast-food que ajuda a engordar as fortunas dos bilionários brasileiros Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles. Com mais de 800 lojas e 20.000 funcionários no Brasil, o BK fez na peça uma provocação evidente à decisão do presidente Jair Bolsonaro de vetar um comercial do Banco do Brasil focado em diversidade e em linguagem jovem, com uma personagem transexual e menções a expressões como “fazer carão”.
A campanha, que rapidamente colocou a empresa entre os assuntos mais comentados das redes sociais, foi criada em apenas 48 horas. Tendo a defesa da diversidade como uma orientação que vem desde a matriz nos Estados Unidos, o Burger King orienta a agência David a monitorar as conversas no mundo digital e avisar de eventuais oportunidades de posicionamentos. Assim, a empresa, que destina sua verba publicitária para o varejo (o anúncio dos sanduíches em si), busca fazer promoções de marca praticamente sem custo.
“A [agência] David nos avisou desse assunto no final da tarde de quarta e propôs que fizéssemos uma campanha. Rapidamente conversamos, aprovamos a ideia e botamos para produzir ainda na quinta. Na sexta, já estava pronta e no ar”, conta a VEJA Ariel Grunkraut, diretor de marketing da sucursal brasileira. Ele conta que o Burger King adota uma estrutura pouco burocrática para esse tipo de deliberação e que questões relacionadas a matriz pró-diversidade têm trâmite mais rápido, por serem pontos mais pacificados internamente.
Rápido, mas com as paradas nas devidas instâncias. A ideia passou pela aprovação até do chefe global de marketing da companhia, Fernando Machado. “Nós temos liberdade e não é sempre que algo passa por ele, mas nesse caso passou e foi ótimo, porque é sempre uma boa ajuda para afinar a ideia”, diz Ariel.
Diversidade de reações
A provocação, como esperado, teve reação ampla (e diversa) nas redes sociais.
A campanha foi bem recebida por boa parte do público no Facebook, onde foi divulgada originalmente – pouco mais de 35.000 das 41.000 reações ao post têm viés positivo (curtida, “amei”, “haha” e “uau”). No YouTube, o vídeo teve 17.000 descurtidas ante 4.900 curtidas.
Apoiadores do presidente convocaram, por meio de hashtags nas principais mídias, um boicote à rede de fast-food. Até o próprio Jair Bolsonaro comentou em sua tribuna usual, o Twitter. Na rede, disse que empresas privadas são livres “para promover valores e ideologias que bem entendam”. “O público decide o que faz”, completou.
Segundo a empresa, a ameaça de boicote não preocupa. “Não é uma campanha contra ninguém e sim a favor da diversidade. Tanto que a grande maioria das pessoas entendeu e gostou. Tem uma minoria que não entendeu a mensagem e por isso não gostou, mas faz parte”, defende Fernando Machado, deixando a alfinetada presidencial para a peça publicitária.
O diretor global da marca, de passagem pelo Brasil nesta semana, aproveitou para acompanhar de perto os relatórios de monitoramento. Ele desconversa sobre um “ataque coordenado” da militância pró-governo contra a empresa – o que poderia explicar o alto número de descurtidas no vídeo compartilhado no YouTube. “Defender a diversidade é uma das características da nossa marca. Quem nos acompanha, sabe que não é algo contra esse ou aquele político”, disse, citando o patrocínio do BK à Parada LGBT de São Paulo e ações em outros países, como o lanche “Whopper Proud” (Whopper Orgulho, em referência ao orgulho LGBT) vendido nos Estados Unidos.
Há dois meses, o Burger King fez uma campanha com o tema de diversidade que deu o que falar. Usou um “trisal” (relacionamento amoroso com três pessoas) para divulgar uma campanha de dois lanches a 15 reais. “Aí, ao invés de um ou outro, é um… e outro”, diz a jovem que estrela o vídeo, entre seus dois namorados.
Antes disso, no ano passado, havia usado a política como tema de um comercial de TV. Divulgou uma campanha com um lanche vazio, “em branco”, conclamando os clientes a não se omitirem e escolherem um candidato nas eleições de 2018. Era um posicionamento cívico, mas não partidário.
‘Acabou a época do empresário-moita’
Em 2016, as redes de fastfoods Habib’s e Ragazzo mostraram a tomada de um lado da polarização política brasileira ao conclamar clientes a protestos contra a então presidente Dilma Rousseff (PT). Depois, equilibrou a tabela nutricional: lançou a “coxinha de mortadela”, juntando os lanches-símbolo dos grupos que protestavam contra e a favor do impeachment. Em entrevista à época, o fundador da empresa, Alberto Saraiva, admitiu o receio de prejuízo às vendas do discurso polarizado e se justificou: “Adotamos um discurso de união”.
Quem também diz ter tido receio de uma reação adversa ao adotar uma posição no debate político é, quem diria, o catarinense Luciano Hang, dono da rede varejista Havan. Justo ele, um dos mais enfáticos apoiadores de Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral. “Sei que alguns dos nossos clientes ficaram felizes e outros ficaram tristes. Também sei que muitos técnicos no governo e em órgãos são de esquerda e poderiam tentar prejudicar a Havan pelo meu posicionamento. Só que eu realmente estava convicto de que a vitória do PT representaria a transformação do Brasil em uma Venezuela tamanho família”, disse a VEJA, em referência à crise no país vizinho.
Ironicamente, Hang começou a se manifestar depois que um boato circulou pelas redes sociais dizendo que a sua empresa era de uma filha de Dilma Rousseff. “Essa mentira de que a Havan é da filha da Dilma estava sendo muito prejudicial aos negócios, especialmente na época do impeachment”, completou.
Para ele, “acabou a época do empresário-moita no Brasil”. “Não é mais o momento de empresário ficar em cima do muro. Tenho estimulado outros a também falarem. O empresário brasileiro é um herói, que enfrenta muitas dificuldades e precisa se colocar, para que todo mundo saiba e que isso mude, que se facilite a vida das nossas empresas”.
Com cautela
O publicitário Washington Olivetto contextualiza a ação do Burger King: ela segue a linha dos chamados “anúncios de oportunidade”, mais comuns desde os anos 70, que remetem a acontecimentos sociais. Para o publicitário, o segredo desse tipo de iniciativa é “separar o oportuno do oportunista”.
“Para dar certo, é preciso haver uma conexão entre a marca e o que é veiculado. Do contrário, para o público você soará oportunista e o impacto da sua campanha, mesmo que você alcance um número grande de pessoas, será mais negativo do que positivo”, explica.
Olivetto aponta que, independentemente da reação negativa por parte de um segmento, é a impressão do público mais amplo que dirá se a iniciativa foi ou não bem sucedida. “O consumidor conhece a marca e a empresa. Se de fato diversidade for uma causa que eles trabalhem, o público vai reagir bem e a questão política não terá impacto”.
Para ele, outro ponto também é o trato que a questão tem internamente na empresa, como a diversidade entre os funcionários. “Além de oportuna, a campanha tem que ser pertinente. Ou seja, tem que refletir o que é feito na empresa”. A VEJA, os representantes do Burger King disseram fazer esse trabalho. Afirmaram que 52% das lideranças locais são mulheres.
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