Sergey (Grigoriy Fesenko) é um garoto surdo-mudo que chega para viver em um cólegio interno especializado. As primeiras imagens do lugar, que parece precário, são de um grupo de alunos e professores em meio a uma confraternização. Mas não é nada disso o que espera Sergey em A Gangue (Plemya, Ucrânia, 2014), primeiro longa do diretor e roteirista Myroslav Slaboshpytskiy, em cartaz na competição de novos diretores da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, onde tem quatro sessões a partir desta quarta-feira. Ganhador do Grande Prêmio da Semana de Crítica no Festival de Cannes, o filme de Slaboshpytskiy poderia ser mais um sobre adolescentes delinquentes, mas traz um diferencial ousado: o longa de mais de duas horas foi totalmente feito em linguagem de sinais.
Leia também:
‘O Segredo das Águas’: inconsistente, filme custa a passar
38ª Mostra Internacional de SP fala bastante espanhol
Em entrevista em Cannes, Slaboshpytskiy contou que há muito tempo pensava em filmar apenas em linguagem de sinais porque a maneira como os surdos-mudos se comunicam o fascina desde criança. Em 2010, ele já tinha feito o curta Surdez, rondando o tema. Slaboshpytskiy também disse que os sons ouvidos durante o longa são os que surgiram naturalmente durante as filmagens. “A ideia era ser realista. O que se ouve são ruídos que aconteciam no set, sem filtro”, disse. São barulhos de portas se abrindo ou fechando, passos no cascalho ou no chão, água pingando na pia, grunhidos de dor. Esses ruídos são a trilha sonora do filme. Já no início, há um aviso de que não há nem mesmo legendas.
Aos poucos, a comunicação oral deixa de fazer falta. Mesmo que não se entenda o que é dito pelos personagens, é possível compreender o enredo pelo contexto e pela performance dos atores. Sergey, ao chegar ao colégio, tem de se submeter ao que determina um dos garotos, o líder daquele lugar. Todos fazem o que ele ordena. Mas ele não está sozinho nas ordens para roubar fora dos muros da escola, extorquir os outros garotos e levar duas adolescentes para se prostituir todas as noites. Há um professor envolvido. Na falta de som, brigas e gestos exagerados de raiva ou indignação mais parecem uma dança ensaiada.
https://youtube.com/watch?v=bpLj9WYBK_c
Poucas vezes os alunos aparecem em sala de aula. Em um desses raros momentos, uma professora mostra um mapa em que a Ucrânia está ligada à Europa Ocidental, questão atual que levou o país a uma grande crise. No restante do tempo, os estudantes são negligenciados pelos professores. É nesse ambiente que Sergey, para além de seguir o líder da gangue de garotos, tem seus sentimentos delineados. É comovente vê-lo em sua tentativa de resistir.
Argentino ‘Relatos Selvagens’ narra vingança com ironia
‘Infância’: memórias de Domingos de Oliveira soam melhor no teatro
Vale dizer aqui que o fascínio de Slaboshpytskiy pela linguagem de sinais não o faz olhar para os surdos-mudos com piedade. São apenas meninos que, de uma maneira ou de outra, se comunicam, se expressam, sentem medo, desejo, são delinquentes ou não. Meninos como os outros. E, por mais que o enredo em si seja simples, a opção pela linguagem de sinais faz redobrar a atenção dedicada pela plateia às cenas. Mas é algo diferente do cinema mudo. Aqui, os atores e a direção não estão preocupados em preencher qualquer lacuna deixada pela ausência de diálogos, focando algum objeto ou situação específica. Eles agem de maneira natural e o público os acompanha.
Serviço:
22/10, às 14h – Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 3 – Shopping Frei Caneca
Rua Frei Caneca, 569 – Bela Vista Tel: (0/xx/11) 3472-2368
26/10, às 21h45 – Cine Livraria Cultura 1
Avenida Paulista, 2.073 – Bela Vista – Tel: (0/xx/11) 3285-3696
27/10, às 21h30 – Cine Sabesp
Rua Fradique Coutinho, 361 – Tel: (0/xx/11) 5096 0585
28/10, às 21h30 – Cinesesc
Rua Augusta, 2.075 – Cerqueira César Tel: (0/xx/11) 3087-0500