Quem assiste ao Oscar no Brasil, inevitavelmente, já ouviu a voz do crítico de cinema Rubens Ewald Filho, 73 anos, que assumiu o cargo de comentarista da premiação na Globo há 35 anos antes de seguir para o SBT e chegar ao canal pago TNT. Na última cerimônia, que foi ao ar no domingo, dia 4 de março, Rubens caiu na malha fina da internet ao fazer um comentário tido como transfóbico. Quando a atriz transgênero Daniela Vega, do chileno Uma Mulher Fantástica, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, subiu ao palco, o crítico soltou: “Essa moça, na verdade, é um rapaz”.
“O que aconteceu com relação à atriz Daniela Vega, foi, no fundo, uma confusão minha de termos técnicos de expressão, mas nunca, em hipótese alguma, uma atitude sexista e transfóbica”, afirma o crítico ao site de VEJA. “Que tudo isso que aconteceu sirva para se falar ainda mais sobre o assunto, para se promover ainda mais esta causa. Que pessoas leigas aprendam os termos técnicos, e me coloco neste caso, aprimorem seu vocabulário nesse sentido.”
Confira abaixo a conversa com o crítico:
O Oscar e outras premiações assumiram um tom político que promoveu críticas e elogios. Como o senhor, que comenta há 35 anos a cerimônia, vê este momento? O Oscar ao longo dos anos perdeu audiência e atualmente vivemos em todo o mundo um momento difícil, mas nos Estados Unidos está ainda pior. O público em geral está adormecido. Por exemplo: não pense que as pessoas, com exceção dos negros, se importam que o filme Corra!, que é um divisor de águas e um corajoso desafio, fosse premiado como foi. Digo mais, as pessoas não estão interessadas nas denúncias que as atrizes fizeram, elas preferem o escândalo, a piada mais grossa e os corpos mais desnudos. Até mesmo as canções premiadas, quase todas eram de protesto, porém mais leves. Ou seja, a Academia do Oscar faz um enorme esforço em mudar a ordem errada das coisas, conter os abusos, dar espaço e voz para as mulheres e, como retorno, ganham apenas números cada vez menores de audiência, que para eles é importante, já que é graças a isso que o Oscar e toda a Academia têm dinheiro para levar adiante projetos, inclusive o museu que está em construção. Ou seja, nunca foram tão corajosos e tão mal compreendidos. No entanto, no Brasil, apesar da queda, nossa transmissão no canal TNT fica em primeiro lugar em audiência na TV por assinatura.
Seu comentário sobre a atriz Daniela Vega repercutiu de forma negativa. O que tem a dizer sobre? Tenho 50 anos de carreira e 35 anos como comentarista do Oscar. Nunca fui reacionário, sexista, racista. Ao contrário, sempre lutei a favor daquilo que é certo, do indivíduo, das minorias e da liberdade de expressão. O que aconteceu com relação à atriz Daniela Vega, foi, no fundo, uma confusão minha de termos técnicos de expressão, mas nunca, em hipótese alguma, uma atitude sexista e transfóbica. Que tudo isso que aconteceu sirva para se falar ainda mais sobre o assunto, para se promover ainda mais esta causa. Que pessoas leigas aprendam os termos técnicos, e me coloco neste caso, aprimorem seu vocabulário nesse sentindo.
O que achou de Uma Mulher Fantástica? Era seu favorito da categoria? Eu preferia O Insulto que, na minha opinião, é mais político e sólido. Mas sim, eu gostei do filme. Estou muito feliz que uma transexual tenha protagonizado e estrelado um filme que ganhou o Oscar. Em 90 anos de premiação isso nunca aconteceu. É um momento de glória, a primeira vez que a barreira foi rompida, a primeira de muitas que virão, para mostrar seus enormes talentos e força de interpretação, direção e qualquer outra forma de atuação tanto no cinema quanto na sociedade.
“Que tudo isso que aconteceu sirva para se falar ainda mais sobre o assunto, para se promover ainda mais esta causa. Que pessoas leigas aprendam os termos técnicos, e me coloco neste caso, aprimorem seu vocabulário nesse sentindo.”
Rubens Ewald Filho
Quais as dificuldades de comentar uma cerimônia do Oscar ao vivo que as pessoas do outro lado da TV não imaginam? Muitas! A equipe, felizmente, é ótima, o que ajuda muito, primeiro porque o show começa tarde da noite e a gente passa vários dias estudando o texto, que chega diretamente da Academia, sem muitas informações. Por exemplo: não vem no texto nenhum momento de humor, nem os nomes dos presentes, pois a Academia quer nos surpreender com convidados que são anunciados minutos antes. Antes da cerimônia temos o tapete vermelho. Todo esse esforço que fazemos é de mais ou menos seis horas ininterruptas. Se quiser ir ao banheiro, precisa ir correndo. Não dá para comer nada, nem beliscar algo (risos). É um grand tour que exige muito da gente – afinal, qualquer agradecimento ou brincadeira vem de forma imprevista, nós e os colegas tradutores temos que adivinhar na hora o que sucede, tudo com o tempo corrido e contado. Acabamos a cobertura do show por volta de duas horas e tanto, e levantamos no dia seguinte para pegar o avião. É um milagre que as falhas entre nós sejam tão poucas e quando há, compreensíveis. Ou seja, não pensem que tem roteiro pronto para seguirmos fielmente, tudo é uma surpresa para nós. E um risco.
Voltando à primeira questão, como enxerga esse momento em que os filmes se posicionam e são premiados por isso? As mulheres, que foram a vida toda vítimas de abusos e enganos, são as mais posicionadas neste momento. Nem falo só dos estupros, que são uma aberração, mas o caso recente da refilmagem do texto do filme Todo o Dinheiro do Mundo, onde o protagonista masculino Mark Wahlberg ganhou um milhão e meio 1,5 milhão de dólares por alguns dias de filmagem, enquanto a mocinha Michelle Williams ganhou apenas o mínimo salarial. Olha que absurdo. E isso acontece sempre, outro exemplo foi a diretora de Lady Bird, a Greta, que foi apenas a quinta mulher a ser indicada ao Oscar e ainda assim perdeu. Então, as mulheres é que estão fazendo a indústria se posicionar antes tarde do que nunca. E por isso merecem tanto nosso respeito.
Dos filmes desta temporada, qual seu favorito? Fiquei apaixonado por A Forma da Água. Uma poesia de monstro da Amazônia, uma trilha musical brilhante que usa a Carmen Miranda, e o terceiro diretor mexicano quase seguido a ganhar o Oscar (não é à toa que o presidente Donald Trump morreu de dor de cotovelo). Enfim, é brilhante mas houve outros como o filme do Churchill [O Destino de uma Nação] e o Dunkirk que é praticamente um filme irmão dele.
Tem planos de parar de apresentar o Oscar na TV? Adianta ter planos (risos)? Só quero fazer meu trabalho direito e me fazer entendido a todas as pessoas, passar a magia do cinema e do Oscar.