É divertidíssimo, como um Rock in Rio. Transborda juventude, como deve ser cada festival. E é longo. Não como uma noite na Cidade do Rock, mas o bastante para a produção planejar pequenos cortes no espetáculo de 3 horas e 10 minutos que estreou na noite de quinta-feira. Rock in Rio – O Musical é uma habilidosa junção de repertório, imagens, lembranças e casos hilários das quatro edições brasileiras do festival para contar um drama juvenil. Predomina o clima de 1985, com os refluxos da ditadura militar e o inimigo necessário à rebeldia do rock’n’roll. O ‘soft opening’, modo cauteloso de estrear com a liberdade de promover ajustes, serve também como segunda inauguração da Cidade das Artes, na Barra da Tijuca. Responsabilidade em dobro, portanto.
O Rock in Rio em cena é um hipotético concerto que mistura todas as atrações que já passaram pelos palcos do evento. De início, pode soar confuso para o espectador que tenta espelhar no musical o seu pedaço particular da saga de Roberto Medina. Mas a magia do espetáculo escrito por Rodrigo Nogueira e dirigido por João Fonseca está exatamente aí: ao som de Pro Dia Nascer Feliz, o protagonista Alef (Hugo Bonemer) é rodeado por Cazuza, Ney Matogrosso, Axl Rose, Elton John, Shakira, Nina Hagen, Baby e Pepeu, Freddie Mercury… Impossível não achar seu ídolo. Satisfeita a necessidade de cada um enxergar seu Rock in Rio na peça, começa a história do rapaz que, traumatizado pela perda do pai, parou de falar, fechando-se em um universo particular dominado pela música. A vida de Alef vai desaguar na de Sofia (Yasmin Gomlevsky), que fala demais e detesta música. Ela é filha Orlando Tepedino (Guilherme Leme), o publicitário que quer fazer no Rio o maior festival de música da história.
Todos cantam, mas fica evidente que há no elenco alguns mais atores e outros mais cantores. O espetáculo não se apoia em virtuosos, mas consegue emocionar com boas interpretações. Entre elas estão Kiss (Prince), Bohemian Rhapsody (Queen), Pessoa Nefasta (Gilberto Gil) – em uma impecável e vibrante interpretação de Kacau Gomes, a cantora que já tentou carreira solo como Claudja – e, claro, o hino do festival. O “ô-ô-ô-ô” do Rock in Rio transforma definitivamente o musical em show de rock, e, como nos demais momentos em que o público é convidado a cantar, mostra que foi feliz a opção de contar a história do festival a partir do ponto de vista do público – não dos astros.
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O ‘barato’ é a mistura. Às vésperas de um Carnaval em que o Rock in Rio será enredo de escola de samba, na Mocidade Independente de Padre Miguel, e da quinta edição brasileira do evento, em setembro, o musical celebra a convivência. E mescla perfeitamente Paradise City com Rio 40 Graus. Cola Tempo Perdido e Será, do Legião Urbana – que só esteve no Rock in Rio em uma homenagem, na edição de 2011. E concilia muito bem gêneros que não se toleram. Fear of the Dark, do Iron Maiden, cai tão bem quanto Poeira, de Ivete Sangalo – a mais cantada, na primeira noite na Cidade das Artes. E há, claro, as versões. As letras em português ajudam a contar a história, mas podem incomodar. No caso de Paradise City (Guns N’Roses), o resultado é ótimo. No de You’ve Got a Friend, cantada por Lucinha Lins (que interpreta Glória, mãe de Alef), foi desnecessário.
O espetáculo de 12 milhões de reais, 20 cenários, mais de 100 figurinos e 25 atores em cena é dividido em dois atos. O humor ajuda a segurar a história, e destacam-se algumas ótimas atuações. Ícaro Silva, que passou por Malhação e pelo humorístico Os Caras de Pau, vive Marvin, melhor amigo do protagonista e responsável pelos momentos divertidos da turma da faculdade de Alef. Caike Luna é o afetado Geraldo, assessor de Orlando Tepedino e encarregado de recepcionar as estrelas do festival. No segundo ato, quando as tramas convergem para o festival propriamente dito, é ele o dono das gargalhadas, brincando com histórias famosas, como os sumiços de Axl Rose, as exigências de Freddie Mercury e outros famosos. O público se contorce quando Geraldo tenta explicar o que é “bicha” ao líder do Queen, ou em cada vez que ele erra o nome do incontrolável cantor do Guns N’Roses.
Rock in Rio – O Musical estreia na semana em que a Aventura Entretenimento dá início à temporada de Tudo por Um Popstar, espetáculo adolescente inspirado no primeiro livro para meninas de Thalita Rebouças. São dois espetáculos genuinamente brasileiros – apesar dos repertórios recheados de números de autores predominantemente americanos e ingleses. O resultado do que se vê em cena com o jovem elenco é uma retrato preciso do grau de amadurecimento desse mercado no país, e do investimento que já produziu sucessos de bilheteria como ‘Hair’, ‘Um violonista no Telhado’ e ‘O Mágico de Oz’.
Hugo Bonemer, 25 anos, não é um rosto famoso na TV. Mas é protagonista de um grande musical pela segunda vez – o primeiro foi Hair, também da Aventura, ainda na fase da parceria com Charles Möeller. Yasmin Gomlevsky cursa teatro, mas acumula no currículo ‘O Diário de Anne Frank’, ‘A Megera domada’ e ‘Cyrano de Bergerac’.
Cidade das Artes – A estreia para convidados, quando o espetáculo passa a existir definitivamente para a crítica, será no dia 8. O espetáculo chega a São Paulo, no Teatro Alfa, em data ainda não definida em maio. Até lá, Rock in Rio – O Musical é a oportunidade de se conhecer o imenso complexo de concreto erguido no encontro das avenidas Ayrton Senna e das Américas, na Barra da Tijuca. A briga política entre o ex-prefeito Cesar Maia – agora vereador pelo DEM – e o atual, Eduardo Paes, fez do gigante um monumento ao desperdício. De ambos. Cesar foi acusado de distorcer as prioridades da cidade com o projeto de meio bilhão de reais assinado pelo arquiteto francês Christian de Portzamparc. Paes, que mudou o nome de Cidade da Música para Cidade das Artes, passou seu primeiro mandato inteiro dizendo que a estrutura não estava pronta e havia problemas por toda parte. Quatro anos se passaram, e o complexo de 90.000 metros quadrados, previsto para ser um imenso centro de cultura na zona oeste do Rio, ficou quatro anos parado, desde a inauguração improvisada por Cesar para não sair da prefeitura sem ter feito uma abertura oficial. O emadeiramento sofisticado da sala de concerto já tem algumas manchas. Algumas instalações elétricas estão aparentes, como a que servia à mesa de som do espetáculo. Por fora, partes do concreto parecem sujas, em obra.
Por dentro, a qualidade do que pode vir a ser a Cidade das Artes dá noção mais precisa do desperdício de tempo com a casa fechada. Os espaços amplos, a acústica primorosa da sala de concerto, a qualidade do projeto arquitetônico e as muitas possibilidades de uso casam com o momento que a cidade atravessa, com um calendário repleto de eventos internacionais. O sucesso de Rock in Rio – O Musical poderá ser, também, o primeiro da Cidade das Artes. E mais um capítulo da coleção de mitos do festival.