Depois de uma histórica vitória na noite deste domingo, 25, a diretora Chloé Zhao terá de arranjar um espacinho (e que baita espacinho) na estante de prêmios. Foi com Nomadland, seu terceiro filme, que a diretora de 39 anos arrebatou a estatueta de melhor direção no Oscar, se tornou a segunda mulher nos 93 anos de premiação a levar na categoria – seguindo a esteira de Kathryn Bigelow, de Guerra ao Terror (2010) – e a primeira asiática. Baseada em um livro-reportagem homônimo de Jessica Bruder, ainda não lançado no Brasil, Zhao pintou um retrato do fenômeno muito americano da vida nômade a um modo quase documental, em que a vastidão de paisagens é uma protagonista à parte.
A verdadeira protagonista, Fern, vivida com brilho por Frances McDormand, vencedora de melhor atriz, é o rosto da devastação acometida pela crise econômica de 2008, que tirou do mapa Empire, em Nevada – cidade habitada por trabalhadores da mineradora de gipsita e fábrica de placas de gesso U.S. Gypsum, cujas portas foram fechadas de vez em 2011. “Lendo o livro-reportagem de Jessica Bruder do qual parti, entendi que aquela colagem de histórias traduzia um sentimento coletivo de perda por parte de toda uma geração de americanos”, disse a VEJA este mês. O longa segue, então, nômades (interpretando a si mesmos) que se unem não só pela ausência de um endereço fixo, mas por uma rede de solidariedade só entendida por quem vê liberdade na vida em movimento. E de movimento, Chloe Zhao, nascida Zhao Ting, entende bem.
Ao longo da infância e adolescência, ela viveu em três países diferentes: nasceu na China, em Pequim, onde morou até os 14 anos, fez o internato na Inglaterra e concluiu o ensino médio nos Estados Unidos, onde estudou Ciência Política. A decisão do curso foi para filtrar a visão romântica dos EUA pintada pela centena de filmes que chegaram à ela, mas bastaram quatro anos para perder o interesse no mundo político. Foi em 2010 que se mudou de Los Angeles para Nova York, onde, na Universidade de Nova York, ingressou de vez na vida das telonas. Lá, além de filmar seus primeiros curta-metragens, teve aulas com Spike Lee e conheceu o inglês Joshua James Richards, seu parceiro de vida e trabalho. “Para ser um diretor, você não precisa ser um mestre em nada, apenas um pau para toda obra” disse ela à New York Magazine.
Ela demonstrava ser um talento promissor já em seu curta de estreia, premiado em 2010. Em 2015, lançou seu primeiro longa, Songs My Brother Taught Me, mas foi em 2017, com seu segundo, Domando o Destino, que passou a chamar atenção do mundo do cinema. Ele conta a história de Brady Jandreau, caubói da Dakota do Sul e estrela em ascensão do circuito de rodeio, mas que vê sua carreira chegar a um fim precoce após um acidente. Tal como fez em Nomadland, ela aplica a abordagem de chamar não atores para encenar uma versão de si mesmos. “É mais fácil quando não são pessoas habituadas a calcular a própria imagem nas redes sociais”, explica a VEJA.
Hoje, Zhao se identifica como americana – e seu filme traz um retrato completo do que significa habitar os Estados Unidos da América, entre ônus e bônus. Seu olhar desarmado de estrangeira foi o que lhe deu estatuetas no Globo de Ouro, BAFTA, Critic’s Choice Award. Agora, com o Oscar de melhor direção, está impresso na história. Como bem deveria estar.
Confira abaixo o trailer legendado de Nomadland: