Música
1- HAPPIER THAN EVER, de Billie Eilish (Universal)
A concorrência musical entre as cantoras pop foi acirrada em 2021. Durante todo o ano, Taylor Swift se manteve no topo dos mais vendidos com Folklore e Evermore, lançados em 2020, e só foi desbancada pelo fenômeno Adele — que, com seu novo álbum, 30, saído do forno em novembro, galvanizou os serviços de streaming e as programações das rádios. No meio de todo esse furacão, porém, foi a caçula do trio, Billie Eilish, de 19 anos, quem demonstrou o amadurecimento mais notável. Com Happier Than Ever, Eilish exorcizou de vez a imagem de cantorinha adolescente para se firmar como uma artista criativa e inquieta, em um álbum com letras fortes, canções introspectivas — e nada radiofônico. Com sua voz sussurrante, Eilish entoa até uma bossa nova moderna, misturando o ritmo brasileiro com batidas eletrônicas.
2- COLLAPSED IN SUNBEAMS, de Arlo Parks (Transgressive/PAS)
Vem do Reino Unido uma das mais saborosas e agradáveis novidades do ano. Em plena pandemia, Arlo Parks, uma jovem de 21 anos, resolveu aproveitar o confinamento para musicar as poesias que escrevia desde a infância. O resultado é o álbum Collapsed in Sunbeams, lançado em janeiro, um coquetel suave de pop com R&B, em que ela canta com uma personalidade inconfundível sobre a euforia da juventude e as desilusões da vida adulta. Descendente de imigrantes do Chade e da Nigéria, Arlo Parks é mais um talento surgido dentro do caldeirão multicultural que sempre caracterizou a cena britânica, e revelou neste ano também outras belas cantoras de R&B descendentes de negros da África e do Caribe. É o caso da talentosíssima Yola, de 38 anos, da criativa Little Simz e da descolada Celeste, ambas de 27 anos — e todas para ficar de olho em 2022.
3- WELCOME 2 AMERICA, de Prince (Sony Music)
Quando Prince morreu, em 2016, aos 57 anos, os fãs tiveram algum consolo ao descobrir que o cantor guardava em casa um imenso acervo de canções inéditas, prontas para ser lançadas. Perfeccionista e workaholic, ele compunha sem parar, mas nunca ficava satisfeito. Neste ano, seu espólio revelou doze dessas faixas. Surpresa: elas passam longe da prática dos lançamentos póstumos que enchem os bolsos dos herdeiros, mas revelam-se só itens menores. No caso de Welcome 2 America, o repertório apenas confirma o talento inesgotável de Prince. Criadas há anos, as músicas compõem — sem exagero — um dos melhores álbuns de sua carreira. A conexão das letras com o momento social e político do planeta é espantosa: ele fala de racismo, hiperexposição às tecnologias, fake news. Resta agora sonhar com o que esse vasto baú do artista ainda guarda.
Livros
1- O HOMEM DO CASACO VERMELHO, de Julian Barnes (tradução de Léa Viveiros de Castro; Rocco; 272 páginas)
Indisputável no panteão de grandes autores contemporâneos, o inglês Julian Barnes, 75 anos, voltou a atestar sua destreza com as palavras e seu olhar afiado sobre a humanidade neste enxuto ensaio sobre a belle époque parisiense. A efervescência cultural e os excessos libertinos do período, entre o fim do século XIX e o começo do XX, são narrados a partir de um peculiar personagem: o ginecologista francês Samuel Pozzi (1846-1918). Eternizado em um retrato do pintor John Singer Sargent, vestido com um chamativo casaco vermelho, Pozzi foi pioneiro desse ramo da medicina, e também figurinha carimbada entre a elite intelectual da época, amigo de Oscar Wilde, Victor Hugo, Marcel Proust, Rodin, Monet, entre tantos outros. Ao seguir os passos de Pozzi, o autor, de forma irônica e acessível, divaga sobre temas universais, como a arte, o sexo, a beleza, a vida e a morte.
2- PACHINKO, de Min Jin Lee (tradução de Marina Vargas; Intrínseca; 528 páginas)
Sunja vive com a mãe na pensão da família, em uma pequena cidade do litoral da Coreia ainda unificada, no início do século XX. A escassez é constante, mas a vida é simples. Isso até Sunja, ainda adolescente, engravidar de um homem casado que a ilude. Para aplacar a desonra, ela se casa com um bondoso pastor de passagem pelo local rumo ao Japão. No país vizinho, o jovem casal se estabelece, cria dois filhos, mas não fica imune às complicações sociais pelas quais a região passará ao longo dos anos — nem ao inesperado retorno do pai biológico do primeiro filho de Sunja. A partir daí, a autora, uma sul-coreana radicada nos Estados Unidos, faz uma emotiva investigação sobre seu país sob a óptica de pessoas comuns, da relação opressiva com o Japão até os efeitos da II Guerra. O belo romance sobre família mostra que, além da TV e do cinema, o soft power coreano também tem força na literatura.
3- VÉSPERA, de Carla Madeira (Editora Record, 280 páginas)
A estressante manhã de Vedina parece comum: ela se arruma para o trabalho enquanto o filho de 5 anos está elétrico — e seu marido, fechado em sua indiferença. Irritada no trânsito de Belo Horizonte, com a criança no banco de trás, faz o impensável: estaciona, deixa o menino na calçada e parte com o carro. Ela se arrepende, mas, quando retorna, o garoto sumiu. O drama de Vedina se intercala com a história dos gêmeos Caim e Abel — o último se tornará, na vida adulta, o marido da mãe em desespero. Os irmãos são batizados em “homenagem” aos dois personagens da trágica história bíblica pelo pai, que estava embriagado e ressentido com a esposa beata. Assim como em seu livro de estreia, o aclamado Tudo É Rio, Carla observa uma família atingida por dilemas morais — e faz isso com uma escrita envolvente e original, impondo-se em 2021 como uma nova fera das letras nacionais.
Publicado em VEJA de 29 de dezembro de 2021, edição nº 2770
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