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Nara Leão, 80 anos: a rebelde que foi da Bossa Nova à defesa da guitarra

Cantora morta em 1989, aos 47, se tornaria octogenária nessa quarta-feira, 19, e é tema de uma esclarecedora série documental no Globoplay

Por Amanda Capuano Atualizado em 27 jan 2022, 17h44 - Publicado em 19 jan 2022, 15h49

No dia 17 de julho de 1967, um grupo de artistas liderado por Elis Regina se reuniu em São Paulo para um protesto. O alvo da manifestação não eram os militares, que três anos antes tomaram o poder com um golpe, mas as guitarras elétricas da Jovem Guarda — que, segundo o movimento, ameaçavam contaminar a “pureza” da música brasileira com o som metálico americano. Da janela do Hotel Danúbio, Nara Leão, que emergiu ainda adolescente como musa da Bossa Nova, e completaria 80 anos nessa quarta-feira, 19, se indignava com o que via nas ruas. “Já pensou organistas medievais fazendo uma passeata contra o piano?”, disse ao namorado Cacá Diegues, como relata o biógrafo Tom Cardoso no livro Ninguém Pode Com Nara Leão (clique para comprar), da Editora Planeta. Aquela não seria a primeira, nem a última vez em que Nara faria oposição ao purismo musical, característica que fez dela uma das artistas mais plurais de sua época.

Nascida em Vitória, no Espírito Santo, Nara desembarcou no Rio de Janeiro com os pais e a irmã Danuza quando tinha 1 ano de idade. Filha de um bem-sucedido advogado, cresceu em um amplo apartamento na Avenida Atlântica frequentado por nomes como João Gilberto, Roberto Menescal e João Donato, que escreveram na sala com vista para o mar canções que pavimentaram a Bossa Nova, como O Barquinho. Bonita, bem educada e de família rica, Nara acabou virando rosto de uma música tipicamente brasileira, que exaltava as belezas naturais do país e a boemia da elite carioca. Ela, no entanto, recusava o rótulo de musa, e se desgarrou da Bossa Nova assim que pôde. “O problema do intérprete era conseguir o melhor som que ele pudesse. Elevou-se à enésima potência a preocupação da forma. O resultado disso, depois de esgotados os esquemas, foram músicas bonitas, mas sem sentido”, escreveu na Revista O Cruzeiro, em 1963. 

Assim, a cantora se voltou ao samba para aplacar uma sede de mudança recém-descoberta, construindo uma ponte entre o morro e o asfalto. Disponível no Globoplay, o belo documentário O Canto Livre de Nara Leão rememora a vida da cantora por meio de entrevistas antigas e depoimentos de quem conviveu com Nara. Em uma passagem do início da carreira, ela diz ter descoberto a existência da fome e da pobreza, e demonstra incômodo em seguir entoando canções alheias à realidade da maior parte do país. À revelia de sua gravadora, que dizia não ver sentido em uma menina endinheirada cantando sobre problemas financeiros, seu primeiro álbum bebeu do dito samba “do morro” para tomar um viés mais político. “Quero cantar toda música que faça a gente se sentir mais brasileiro”, proclamou ela, que emprestou letras e sonoridade de figuras como Zé Kéti, Nelson Cavaquinho, Cartola e Elton Medeiros, além da bossa engajada e com toques de afro-samba de Carlos Lyra, Edu Lobo, Ruy Guerra e Baden Powell. 

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Nara, porém, não parou por ali — sua carreira musical é quase uma personificação da metamorfose ambulante de Raul Seixas. Atraída pelo fervor cultura e livre de preconceitos, sua música desconhece as barreiras pré-definidas de gênero, e serve também de instrumento político. Durante a ditadura, Nara foi uma das vozes mais fortes da canção de protesto e quase foi presa depois de declarar nos jornais que o Exército não valia nada. A repercussão levou Carlos Drummond de Andrade a fazer um poema apelando aos militares para que não a prendessem. “Nara é pássaro, sabia? E nem adianta prisão para a voz que, pelos ares, espalha sua canção”, diz uma das estrofes. Anos depois, acompanharia o marido Cacá Diegues, um dos nomes mais proeminentes do Cinema Novo, no exílio em Paris, período em que se afastou dos palcos para se dedicar à maternidade.

Além do samba e Bossa Nova, assumiu um papel preponderante na Tropicália, que exaltava a identidade nacional. Sua carreira também ficou marcada por romper com a dicotomia entre MPB e Jovem Guarda. Enquanto parte de seus companheiros tomavam as ruas entoando gritos de oposição às guitarras elétricas, comandados pela rival Elis Regina — cuja morte, aliás, está completando quarenta anos na mesma data da efeméride dos 80 anos de Nara –, comparava o movimento ao fascismo, e considerava uma caretice se opor àquilo que era novo e moderno. Assim, gravou canções de Roberto e Erasmo Carlos e, quando questionada sobre sua motivação, disse, simplesmente, que achava as músicas muito bonitas — não precisava de nenhuma outra justificativa além da própria vontade. Morreu em 1989, aos 47 anos, vítima de um tumor no cérebro que ceifou sua vida precocemente — mas não sem antes inscrever seu nome de forma indelével na música brasileira.

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