Quando despontou, nos anos 1990, o cantor Marilyn Manson reciclava com êxito uma receita que fez a fama de muitos roqueiros. Sua persona e sua música eram calculadas para chocar os “caretas” e despertar o culto dos adolescentes. A coisa começava já na sua alcunha artística, junção da atriz Marilyn Monroe e do psicopata Charles Manson (o nome de batismo da figura é mais prosaico: Brian Hugh Warner). A transgressão prosseguia no visual, com algo de androginia e outro tanto (bota tanto aí) de maquiagem tão dark quanto a dos zumbis de filmes B. O som era pesado – aquilo que os antigos críticos chamavam de “transgressor”. A imagem de enfant terrible se completava com as letras carregadas de certa empáfia violenta, versos enigmáticos e refrões impactantes. Parecia tudo só uma encenação divertida, e inofensiva. Mas, com a recente enxurrada de denúncias de abuso sexual contra o cantor, suas músicas ganharam um novo – e assustador – significado.
A cada dia cresce a quantidade de mulheres que afirmam ter sido abusadas, agredidas e torturadas por Manson, reforçando a tese de que ele é, na verdade, um sociopata escondido atrás de um personagem. A atriz Evan Rachel Wood foi a primeira a denunciá-lo, afirmando ter sido vítima de torturas. Em 2009, Manson disse em entrevista à revista Spin que tinha fantasias em que quebrava o crânio da atriz com uma marreta. Na mesma entrevista, ele afirmou que ligou para ela 158 vezes no mesmo dia e cortou seu rosto e as mãos com uma lâmina de barbear.
A atriz Esme Bianco também está denunciando Manson. Em uma entrevista para a revista New York, ela o acusou de “ser um monstro que quase destruiu a mim e outras tantas mulheres”. Com riqueza de detalhes, Esme afirmou que fugiu após o cantor correr atrás dela empunhando um machado. Antes, ele já a havia cortado com uma faca durante o sexo, e fotografou os ferimentos para enviar as imagens a um assistente e a um colega de banda.
A cantora Phoebe Bridgers foi outra que veio a público com uma declaração arrepiante. Ela disse que visitou a casa de Manson, acompanhada de uns amigos e que, depois daquela visita, deixou de ser fã do artista. “Eu era uma grande fã, mas ele se referiu a um quarto na sua casa como o ‘quartinho do estupro’. Pensei que fosse só senso de humor horrível, como os de garotos universitários, e parei de admirá-lo. Apoio todo mundo que o denunciou”, escreveu em uma rede social.
Aos poucos, os fãs estão descobrindo que as barbaridades que Manson cometia em suas obras não eram meras encenações e, sim, uma alegoria da vida que ele tinha entre quatro paredes. Músicas como I Want To Kill You Like They Do in The Movies (Eu Quero Te Matar Como Eles Fazem Nos Filmes), Kill4Me (Mate Por Mim) e Mutilation is the Most Sincere Form of Flattery (Mutilação é a Forma Mais Sincera de Bajulação) ganham uma dimensão assustadora se analisadas após as denúncias.
Em Kill4Me, Manson canta “Eu te amo o suficiente para te perguntar de novo: você mataria por mim? Vamos pegar nosso canivete de ouro e façamos um pacto de sangue”. A coisa piora ainda mais em I Want To Kill You Like They Do in The Movies, na qual ele canta: “Gostaria de matar como nos filmes, mas não se preocupe porque há outras iguais a você na fila”. Para arrematar, os clipes são igualmente repulsivos, com cenas explícitas de sadismo, masoquismo, torturas e outras imagens fortes.
Por enquanto, Manson não está enfrentando nenhum processo criminal. Mas, no âmbito profissional, as denúncias já estão surtindo efeitos. Sua gravadora, a Loma Vista Recordings, disse que não vai mais promover o recente álbum do artista nem trabalhará com ele em projetos futuros. Duas séries de TV em que ele atuava, Creepshow e American Gods anunciaram que os personagens que Manson interpreta serão cortados da história.