Harlan Coben: “Não há nada de errado com o interesse por crimes”
O autor de mistério, que já vendeu dezenas de milhões de cópias pelo mundo, falou a VEJA sobre seu interesse por suspense, compartilhado com o público
No final de outubro de 2020, o escritor norte-americano Harlan Coben, autor de mais de 30 livros de mistério, lançou sua nova obra, “Win” (clique para comprar), no Brasil. Segundo o autor, que já vendeu mais de 75 milhões de cópias pelo mundo, trata-se de um livro diferente de seus demais, ainda que também trate de crimes.
VEJA entrevistou Coben e falou de temas como o gosto por mistério e os efeitos da pandemia sobre as obras do escritor. O norte-americano deu ainda dicas para quem quer entrar no ramo da literatura.
O que torna “Win” diferente dos seus outros livros?
Win é meu protagonista mais perto do anti-herói. Nas outras obras, o personagem principal são homens ou mulheres comuns, bondosos, pessoas de família. Win não é assim. Ele é rico, enjoado, um pouco sociopata, perigoso, violento, não tem interesse em laços duradouros. Além disso, trabalhei, pela primeira vez, com o mundo dos ricos. No livro, falo também sobre roubos de obras de arte, sobre os radicais norte-americano dos anos 1960, sobre a morte de desconhecidos que depois se descobre serem famosos, etc.
Temos visto cada vez mais livros, séries e filmes sobre crimes. Por que o assunto é tão popular?
Isso não é novidade. Se eu te pedisse para me falar seus livros preferidos, a maioria deles certamente envolveria algum tipo de crime. Dostoiévski, Oscar Wilde, Dumas. Escrever sobre crimes não é novidade. As pessoas gostam do suspense. Não se contentam com uma história morna, sem acontecimentos empolgantes. Todos querem ser entretidos, conhecer novas histórias.
Esse gosto por crimes é saudável?
Não vejo nada de errado com esse interesse. A leitura de ficção faz muito bem, mostra o que se passa na cabeça do outro, te ensina outras perspectivas. Em geral, as pessoas deveriam ler mais. Se você parar para pensar, quem lê muito — seja romances, ficção científica ou suspenses– costuma ser mais empático.
A pandemia afetou a forma como você escreve e o gosto da população por suspense?
Acho que depende da pessoa. Na pandemia, algumas pessoas encontraram refúgio na literatura, enquanto outras perderam a capacidade de focar na leitura. Enquanto eu escrevia “Win”, a pandemia começou. Gosto de escrever histórias que se passam no presente, mas, nesse caso, coloquei a data em 2019. Não quis abordar a pandemia no livro por dois motivos: primeiramente porque não sabemos como a pandemia vai acabar, então seria fácil pisar em falso e colocar algo errado na história; além disso, quando a pandemia começou, senti que meu dever era providenciar um escape emocional do caos do mundo, e não aprofundar o leitor nesse caos.
De onde vem a inspiração para as suas obras?
Depende muito. Gosto de sentar e pensar em ideias diferentes até conceber algo que encaixe com o que busco. Quando acabo de escrever, a minha cabeça está vazia. Em “Win”, queria escrever sobre sequestros, roubos e revolucionários. Poderia ter feito quatro livros diferentes, mas optei por juntar tudo em um só. Pego minhas ideias e as coloco em um liquidificador; algumas permanecem e algumas somem. Quem mais me inspira são meus leitores e os espectadores das séries inspiradas nos meus livros. Eu quero entretê-los mais, quero que se sintam ainda mais parte das minhas histórias, que tenham pressa para acabar de ler. Adoro quando isso acontece comigo, e a vontade de provocar isso nos outros sempre me inspirou.
Por que você acha que tem tanto sucesso enquanto escritor?
Já vendi mais de 75 milhões de livros pelo mundo. A chave é sempre contar a melhor história possível. Não adianta só conceber plot twists e descobertas chocantes; é preciso ter coração. O leitor precisa se importar com os personagens. Se não, é como ter um carro caro sem gasolina dentro. Ele não anda. É preciso uma mistura. Os leitores brasileiros parecem reagir muito a isso, se apegam muito aos personagens.
Qual o seu maior sonho enquanto autor?
Se você tivesse me perguntado isso há 25 anos e me contasse quantos livros eu teria vendido no Brasil até 2021, eu ficaria chocado. A popularidade dos meus livros ultrapassa os meus maiores sonhos. Todas as esperanças com que comecei a carreira já foram mais do que cumpridas. Sou muito feliz e satisfeito. Ainda assim, é preciso se manter ambicioso, tentar sempre ser melhor. Por isso, tento fazer com que o próximo livro seja o melhor que já escrevi.
Qual a parte mais difícil de escrever sobre crimes e mistérios?
Há dias em que nada funciona. Eu me sento à mesa e tento pensar no que vai acontecer na história, mas não me vem nada. Isso ainda me chateia, fico decepcionado comigo mesmo. Mas, às vezes, precisamos de mais tempo, de mais paciência. A história é sempre difícil de conceber, já que se cria algo do nada. Mas esse começo, ainda que complicado, também é a parte mais empolgante. Pode ser assustador, como pular de um penhasco, mas a água embaixo é linda. Cada dia é uma jornada.
Que conselho você daria a um jovem escritor?
A chave é escrever. Sei que soa bobo, mas é isso. Não se preocupe com as suas vendas ou com as suas redes sociais. John Grisham, um grande autor e amigo meu, não tem internet em seu escritório. Acho que muitos autores pensam demais em outras coisas que não seus livros. Eu não sou tão esperto. Não sei muito sobre a indústria literária, mas tampouco me preocupo com isso. Só quero escrever uma história que as pessoas queiram ler. O resto eu não consigo controlar; apenas o meu livro está sob meu controle. Escreva sobre o que você ama, de uma forma que cause reações nos outros.
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