Entra ano, sai ano, um tema volta a alimentar as conversas de quem acompanha o Festival de Gramado: há algo de muito estranho em um festival de cinema em que o público prefere ficar na porta da sala de exibição, à cata de celebridades, do que no interior dela, assistindo a filmes. Na sessão de abertura deste ano, na sexta-feira, dia 5, com O palhaço, seu diretor, Selton Mello, chegou a ameaçar, em tom de brincadeira: “Se ficar esse espaço vazio aí no meio da sala vou botar o povo lá fora para entrar”.
Às vésperas de completar 40 anos em cartaz, em 2012, a maratona gaúcha ainda parece pouco se importar em atrair a atenção dos espectadores para a produção nacional, que deveria ser seu principal objetivo. Tudo leva a crer – e o preço do ingresso cobrado durante os 9 dias de programação, que vão de R$ 50 a R$ 130, contribui para isso – que a prefeitura e a Secretaria de Turismo da cidade, produtores do evento, o vê apenas como mais uma atração do calendário turístico.
O fato é que o antigo tapetinho curto à porta do Cine Embaixador, o Palácio do Festival, hoje estende-se por todo o quarteirão da rua em frente, a popular Rua Coberta. Todo ano, esse trecho da via, de cerca de 200 metros, vira uma longa passarela vermelha, pela qual desfilam diretores, produtores, artistas e fato e gente que só quer se autopromover. Ao longo dela, a multidão, apinhada sobre a grade divisória ou acomodada nos restaurantes e lanchonetes da área, passa a noite inteira na esperança de ver um rosto conhecido.
Seis anos atrás, a organização do festival contratou um cineasta (Sérgio Sanz) e um crítico de cinema (José Carlos Avellar) como curadores, numa tentativa de recuperar a reputação do festival como espaço para a reflexão e a promoção do filme brasileiro – e desde do início dos anos 90, latino. Mas o público, local ou visitante, continua de fora da equpação. Gramado continua à mercê dos eventos paralelos e estandes criados por seus patrocinadores, que transformam a cidade em uma grande quermesse de marcas e grifes, com festas patrocinadas que são mais uma oportunidade para celebridades e subcelebridades posarem para as câmeras.
Uma das estratégias midiáticas mais eficientes das empresas patrocinadoras é convidar artistas de TV e celebridades de diversos calibres para atravessar o tapetão, tirar fotos com supostos fãs e aparecer em sites, blogs e colunas sociais. Muitos desses convidados sequer têm ligação com o mundo do cinema, como o ex-namorado de Madonna e DJ Jesus Luz, que este ano subiu a serra para fazer o som de uma festa promovida por uma cervejaria. Pelo tapetão passaram também figuras como o nadador Fernando Scherer, o Xuxa, acompanhado de sua mulher, a dançarina Sheila Mello.
A política do quanto mais brilho, melhor, parece funcionar para a Secretaria de Turismo, a indústria do couro ou do chocolate, mas não para o cinema. A população flutuante cresce durante o período do festival, mas também acaba inflacionando o comércio local. Um simples risoto que custava R$ 38 num dos restaurantes italianos mais sofisticados do centro da cidade quase dobrou de preço como início do festival. “Os turistas são muito bem vindos, mas essa inflação sazonal é prejudicial até mesmo para nós, que moramos aqui. Tudo fica caro pra gente também”, lamenta o proprietário de um simpático café local.