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Elza Soares, ícone da música brasileira, morre aos 91 anos

Dona de uma prolífica e bem sucedida carreira musical, Elza Soares se transformou também em ícone da luta contra o racismo e o machismo no país

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 20 jan 2022, 22h37 - Publicado em 20 jan 2022, 17h20
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  • Elza Soares, uma das maiores cantoras do Brasil, morreu nesta quinta-feira, 20, aos 91 anos. Segundo informações divulgadas pela assessoria da artista, ela morreu em casa, no Rio de Janeiro, às 15h45, de causas naturais. Nascida em 23 de junho de 1930 e criada na favela de Moça Bonita, no Rio de Janeiro, Elza Soares veio de uma família muito pobre, composta por dez irmãos, e antes de se tornar um ícone da música popular brasileira, precisou vencer o machismo e o racismo. Com uma história de vida de luta e dificuldades, a cantora se tornou nos últimos anos inspiração para toda uma geração de artistas mulheres e negras do Brasil e do mundo. Ela nunca parou de trabalhar e, mesmo aos 91 anos, se manteve ativa, gravando novas canções e lançando novos discos. No dia 3 de fevereiro, por exemplo, tinha show marcado na Casa Natura, em São Paulo, ao lado do rapper Renegado, com quem lançou uma série de músicas.

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    As dificuldades que Elza enfrentou são tão impressionantes, que a artista costumava dizer que já tinha vivido várias vidas em uma só. Na adolescência, ela sofreu abuso de um homem e foi obrigada pelo pai a se casar com ele para “limpar a honra da filha”. Nas mãos dele, Elza sofreu ainda mais violências sexuais e físicas. Como se não bastasse, antes mesmo de completar quinze anos, já tinha dado à luz seu primeiro filho. Ao todo, ela teve oito filhos, todos de parto normal. Os dois primeiros, ambos meninos, morreram de desnutrição e não chegaram a ganhar nomes. Em seguida ela teve João Carlos e Gerson (esse entregue para a adoção por falta de condições para criá-lo), Gilson (que morreu em 2015, aos 59 anos), Dilma (que foi sequestrada com um ano e reencontrada 30 anos depois), Sara e Manoel Francisco (o Garrinchinha, que morreu aos nove anos, em 1989, em acidente de carro).  Na época da morte de Garrinchinha, Elza tentou suicídio e passou a tomar antidepressivos e a usar drogas.

    A carreira musical da artista, no entanto, só deslanchou quando seu primeiro marido morreu. Elza se viu sozinha tendo que criar os cinco filhos do casal. Mesmo assim, ela decide largar o trabalho de faxineira para seguir o sonho de infância, e ser cantora. Sua primeira apresentação ocorreu em meados de 1953, no programa de rádio Calouros em Desfile, apresentado por Ary Barroso – que tentou ridicularizar a roupa que ela usava e perguntou: “De que planeta você veio, minha filha?”. Elza respondeu: “Do planeta fome”. Em seguida, ela interpretou a canção Lama, de Paulo Marques e Aylce Chaves, e ganhou nota máxima. Ary Barroso percebeu o talento que estava diante dele e afirmou que nasci ali uma nova estrela.

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    No final da década de 1950, Elza Soares já havia se tornado uma cantora conhecida no Brasil, com sua voz rouca e potente. Seu primeiro grande sucesso foi o samba Se Acaso Você Chegasse, de 1959. Desde aquela época, suas letras sempre privilegiaram a luta contra o preconceito racial e na defesa do feminismo. Elza começou a namorar o jogador Garrincha durante a Copa do Mundo de 1962, a época uma das maiores estrelas do futebol nacional. Em 1966, eles se casaram oficialmente e o relacionamento durou até 1982. No início do relacionamento com o jogador, a imprensa nacional dizia que a cantora estava atrapalhando a performance dele. Além disso, Garrincha era casado quando conheceu Elza e ela foi acusada de destruir o lar do atleta. Por conta disso, diversos convites para shows foram sendo cancelados. No final da década, durante a ditadura militar, a casa do casal foi metralhada. Segundo a cantora, foi porque ela havia participado de um show do Geraldo Vandré. O casal se muda, então, para a Europa, onde ela se destaca com diversos shows e Garrincha tenta retornar aos gramados. Alcoólatra, o jogador jamais conseguiu se reerguer. Coincidentemente, a cantora morreu no mesmo dia que seu ex-marido, o jogador Garrincha, que morreu há exatos 39 anos, em 20 de janeiro de 1983.

    Em depoimento a VEJA, publicado em julho de 2020, Elza afirmou que o racismo não conseguiu derrubá-la. “Desde a minha juventude, a situação dos negros não melhorou nem um pouco no Brasil. A vida ainda é complicada para as minorias, continua o mesmo sofrimento de sempre. Isso tudo é um inferno. O racismo ainda está aí e precisa ser combatido”, afirmou. “A música é meu alimento. Sem ela, não faço nada, não sou ninguém, não tenho para onde ir. Com a música, me sinto inspirada”, completou.

    Nos anos 1990, Elza continuou se apresentando e fazendo shows esporádicos no Brasil. Fez participações em músicas de rock, samba, pagode, enfim, em todos os ritmos. Em 1999, Elza sofreu uma queda após um show no Sindicado dos Jornalistas do Rio de Janeiro e passou a caminhar com dificuldade. Em 2007, foi operada às pressas de uma diverticulite. Após complicações da cirurgia, ela teve que fazer outra operação. Nos últimos anos, costumava se apresentar sentada em uma cadeira, uma espécie de trono de ébano, em que entoava seus principais sucessos. Nos últimos anos, no entanto, Elza viu sua carreira ganhar dimensões estratosféricas, numa reinvenção moderna de seu trabalho, antenada com os problemas do país, tornando-se ainda um ícone pró-lutas identitárias e, bem recentemente, ferrenha crítica do presidente Jair Bolsonaro. Em entrevista em fevereiro de 2021 a VEJA Rio, Elza afirmou que não iria parar de trabalhar. “Eu gosto e preciso trabalhar. Se parar, não como”, disse. Ao todo, a cantora lançou 34 álbuns de ritmos como samba, jazz, eletrônico, hip-hop e funk.

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    Elza manteve-se ativa até os últimos dias. Em 2015, lançou o elogiadíssimo A Mulher do Fim do Mundo, que na letra da canção título afirmava que cantaria até o fim da vida. Em 2018, outro álbum icônico, Deus é Mulher, com letras em defesa do feminismo. Seu último trabalho, Planeta Fome, foi lançado em 2019, pouco antes da pandemia estourar. Nos últimos meses, intercalava constantes idas ao hospital para exames e também visitas a um estúdio musical, onde estava gravando seu próximo trabalho. Em 2020, por exemplo, lançou uma versão rock and roll da canção Juízo Final, de Nelson Cavaquinho, e em agosto do ano passado lançou a faixa Black Power, com o rapper Renegado, dedicado à ginasta brasileira Rebeca Andrade.

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    A íntegra do comunicado.

    “É com muita tristeza e pesar que informamos o falecimento da cantora e compositora Elza Soares, aos 91 anos, às 15 horas e 45 minutos em sua casa, no Rio de Janeiro, por causas naturais. Ícone da música brasileira, considerada uma das maiores artistas do mundo, a cantora eleita como a Voz do Milênio teve uma vida apoteótica, intensa, que emocionou o mundo com sua voz, sua força e sua determinação. A amada e eterna Elza descansou, mas estará para sempre na história da música e em nossos corações e dos milhares fãs por todo mundo. Feita a vontade de Elza Soares, ela cantou até o fim”

    Pedro Loureiro, Vanessa Soares, familiares e Equipe Elza.

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