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“O racismo não me derrubou”, afirma Elza Soares

A cantora de 90 anos diz que nunca deixou o preconceito colocá-la para baixo e conta por que nunca parou de brigar

Por Elza Soares
Atualizado em 31 jul 2020, 15h47 - Publicado em 31 jul 2020, 06h00

Passei por muita coisa na vida. Ouço sempre que sou resistente, e concordo plenamente. Acho que minha força vem da vontade de viver e do otimismo que sempre me acompanhou. Nasci com muita coragem e isso me ajudou a enfrentar o que viesse pela frente. Nunca parei para pensar que as coisas estavam ruins, que algo estava errado, que não havia solução para um problema. Sempre segui em frente e não deixei que nada me atrapalhasse. Já passei por situações difíceis. Uma vez, quando cheguei em um hotel para fazer o check-in, me disseram que não havia reserva em meu nome e não me deixaram ficar. Mas eu sabia que havia vaga. Foi discriminação mesmo. Não deixei que situações como essa me colocassem para baixo. Jamais. O racismo não me derrubou.

Desde a minha juventude, a situação dos negros não melhorou nem um pouco no Brasil. A vida ainda é complicada para as minorias, continua o mesmo sofrimento de sempre. Isso tudo é um inferno. O racismo ainda está aí e precisa ser combatido. É a dura realidade que devemos enfrentar. Infelizmente, não vejo previsão de melhora para nós. Acho que o primeiro passo para transformar as coisas é continuar lutando, não desistir. Por isso faço questão de ser ativista. É parte da minha personalidade. Eu brigo, grito, vou à luta. Pelos gays, pelos negros, pela juventude, pelas mulheres, por quem não é ouvido. E muitos não são. Sou assim há bastante tempo, e sempre tive muito orgulho disso. O ativismo é essencial. Quem não for ativista simplesmente não consegue nada neste mundo. Não muda o estado de coisas. É preciso lutar, ter voz ativa, ir à batalha. No último dia 25, fiz a live Elza in Jazz, que faz parte do projeto Devassa Tropical Ao Vivo, em comemoração do Dia da Mulher Negra no Brasil. Acho que foi a forma perfeita de celebrar a data: cantando. No fim das contas, a melhor coisa que eu faço nesta vida é cantar. Quis mostrar para todo mundo que estou aqui, firme e forte.

Conquistei muita coisa nesses anos todos, apesar da discriminação, mas não vejo uma conquista mais relevante que outra. Todas são. O meu orgulho é a soma de tudo o que passei. No fim de junho, comemorei o meu nonagésimo aniversário. Não tenho o costume de fazer festas ou grandes celebrações. Mas ganhei uma serenata linda, feita pelo meu maravilhoso amigo dom Pedro Loureiro. Serenata é algo que não existe mais hoje em dia. Mas ele fez uma para mim, lá embaixo, na rua, com um monte de gente olhando. Fiquei em cima, no apartamento, vendo da janela aquela coisa linda, só para mim. Nunca me senti tão querida.

A música brasileira sempre foi e continua sendo absolutamente linda e maravilhosa. Ela não é pior do que algumas décadas atrás. Quem diz isso está mentindo, ou não sabe o que diz. Gosto muito do que toca nas rádios atualmente, escuto um pouco de tudo. Hoje em dia existe mais hip-hop. Há alguns anos, era o rock que estava na moda. Essas coisas mudam muito rapidamente, e acho isso incrível. De uns tempos para cá, tenho ouvido muito rap brasileiro. É um tipo de música que exige que a pessoa seja inteligente para fazer, não é para qualquer um. É necessário ter talento e esperteza. Gosto disso.

A música é meu alimento. Sem ela, não faço nada, não sou ninguém, não tenho para onde ir. Com a música, me sinto inspirada. É um processo contínuo e espero que continue assim para sempre. Eu não poderia ser nada nesta vida a não ser cantora. Qual profissão restaria para mim, com pouco estudo e sem outras oportunidades? Não tem mais nada no mundo em que eu me encaixaria tão bem. O meu destino é cantar, tenho certeza disso. Cantar sempre foi um remédio bom. É o que me faz feliz, é indispensável para a minha sobrevivência. É minha forma de luta.

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Depoimento dado a Sabrina Brito

Publicado em VEJA de 5 de agosto de 2020, edição nº 2698

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