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Rap com Emicida e novo romance, os projetos de Conceição Evaristo

Autora relê clássico de Clarice Lispector em 'Macabéa: Flor de Mulungu' e prepara novo livro sobre família separada pela diáspora africana

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 jan 2024, 10h28 - Publicado em 4 jan 2024, 16h09

A escritora e professora Conceição Evaristo, 77 anos, visitava uma fazenda colonial no interior do Rio de Janeiro quando notou uma árvore em floração repleta de pássaros. Conversando com a herdeira da casa, ela ouviu uma história que mesclava pavor e esperança: a árvore em questão era um pé de Mulungu, um símbolo de resiliência, que costumeiramente produz suas flores no auge da seca, quando as demais árvores estão sem folhas. A casca do Mulungu é ainda um poderoso sedativo, o que lhe rendeu o nome popular de “amansa senhor” – alcunha que perturbou a autora mineira. “Imagine as razões desse nome, dado a uma árvore plantada perto de uma senzala”, diz Conceição em entrevista a VEJA. “Comecei a divagar sobre essa planta que provavelmente era usada como um enfrentamento silencioso de sujeitos escravizados contra os senhores.” Nascia ali a inspiração do conto Macabéa: Flor de Mulungu (Ilustração de Luciana Nabuco; Oficina Raquel, 40 páginas), no qual ela faz uma releitura da famosa protagonista de A Hora da Estrela, romance de 1977 de Clarice Lispector. Sob a ótica da escritora, a apagada Macabéa possui uma vida interior intensa que vai além do que aparenta: as pessoas ao redor dela só enxergam sofrimento e complacência, sem olhar para os sonhos e os desejos que ela tinha, evidenciados em seu êxodo para a cidade grande – experiências e características com as quais Conceição se identifica. 

Criada em Pindura Saia, uma extinta favela de Belo Horizonte, a autora cresceu na pobreza e enfrentou um caminho árduo até se tornar doutora em literatura e professora de universidades renomadas – além de entrar para as listas de best-sellers. Na juventude, se dividiu entre os estudos, constantemente interrompidos, e o trabalho de empregada doméstica. Até que, perto dos 30 anos de idade, passou em um concurso público de magistério, o qual lhe abriu portas para dar aulas no ensino primário na rede municipal. Aos 41, entrou no curso de Letras da Universidade Federal do Rio (UFRJ) e ali desenvolveu sua vocação e missão: começou a escrever contos e poemas e a usar as palavras como ponte entre leitores diversos e a realidade de tantas outras mulheres negras como ela. O alcance foi além do esperado: sua obra já foi traduzida para outras línguas, como inglês, francês, italiano, servo-croata e até hebraico. Só em 2023, ela vendeu mais de 500.000 exemplares, sendo os carros-chefes seu primeiro romance, Ponciá Vicêncio (2003), e o livro de contos Olhos d’Água (2014). “Essa popularidade me deixa feliz, pois faço uma literatura que nasce de uma experiência tão específica e acaba contaminando pessoas tão diferentes de mim.”

Capa de 'Macabéa - Flor de Mulungu', livro ilustrado com releitura da protagonista de 'A Hora da Estrela' -
Capa de ‘Macabéa – Flor de Mulungu’, livro ilustrado com releitura da protagonista de ‘A Hora da Estrela’ – (//Divulgação)

O despertar para escrever textos tão pessoais veio do encontro com a obra de Carolina Maria de Jesus (1914-1977) e seu aclamado Quarto de Despejo. No fim dos anos 1950, a autora foi um ponto de virada na literatura negra nacional, ao narrar as mazelas da vida na pobreza. Antes, especialmente do século XIX, as letras brasileiras contavam com um histórico de autores notáveis, que tiveram acesso raro à educação, caso de Machado de Assis, Lima Barreto e Cruz e Sousa. Herdeira da pena de Carolina, Conceição hoje é seguida por uma nova geração de autores que observam sem receios as consequências da escravidão e as feridas do racismo – entre eles Itamar Vieira Junior, de Torto Arado, e Djamila Ribeiro, de Pequeno Manual Antirracista, dois sucessos de venda. A boa fase é creditada por Conceição ao trabalho de anos de muitas editoras voltadas para a divulgação de literatura negra, entre elas a Pallas, que publica sua obra. É essencial também o tom universal desses títulos. “A experiência da solidão, da exclusão, entre outras comuns ao ser humano, atravessam as pessoas, independentemente da cor de suas peles”, diz. 

Adepta de diferentes formatos de escrita, Conceição agora pretende se arriscar no rap: ela escreveu uma poesia na qual uma pessoa mais velha oferece sua sabedoria aos mais jovens. O rapper Emicida achou a ideia interessante – o que pode culminar em uma parceria em breve. A figura idosa carregada de ensinamentos terá também protagonismo em seu próximo romance: previsto para 2025, o livro, por enquanto batizado de Flores de Mulungu (outra trama inspirada na árvore que lhe surpreendeu). O título vai narrar a história de uma família separada pela diáspora africana — movimento de migração forçada de escravizados para outros países. Conhecendo sua obra, estes personagens não serão resumidos ao estereótipo do sofrimento: apesar de oprimidos, os protagonistas de Conceição são donos de si — mesmo que se diga o contrário.

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