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Cineasta afegã diz que fará filme sobre a volta do Talibã – se sobreviver

Vencedora do Festival de Cannes em 2016, Shahrbanoo Sadat está tentando deixar o Afeganistão, mas ainda não conseguiu chegar até o aeroporto da capital

Por Amanda Capuano Atualizado em 18 ago 2021, 10h19 - Publicado em 17 ago 2021, 19h00
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  • No último domingo, 15, o grupo extremista Talibã voltou ao poder no Afeganistão depois de 20 anos, levando a população a uma desesperada fuga no aeroporto de Cabul. Em entrevista ao site Hollywood Reporter, a cineasta Shahrbanoo Sadat, vencedora do Festival de Cannes em 2016, descreveu a situação como um pesadelo e disse não saber se irá ou não conseguir deixar o país. “Se eu sobreviver a isso e tiver a chance de fazer filmes novamente, meu cinema terá mudado para sempre”, relatou a diretora, que deseja retratar nas telas o que viu nos últimos dias.

    “Eu sinto que sou uma observadora. Estou vendo injustiças e coisas horríveis e eu preciso gravar isso no meu corpo para ter essa lembrança e depois colocá-la em filmes para compartilhar com o mundo. Se eu sobreviver, farei filmes sobre o que aconteceu”, disse. Premiada em Cannes pelo seu filme de estreia, Wolf and Sheep, Sadat teve a oportunidade de deixar o país no sábado, um dia antes do grupo terrorista tomar a capital Cabul, mas assim como muitos, duvidava que o Talibã avançaria tão rapidamente. “Quando se vive no Afeganistão, seus ouvidos se acostumam a ouvir que o Talibã está a caminho. Você não identifica mais o perigo real, porque ouve essa frase o tempo todo,” explicou ela, que resolveu esperar até que a família também pudesse partir. Não deu tempo.

    No domingo, 15, depois que o então presidente Ashraf Ghani deixou o país, os rebeldes invadiram a cidade e tomaram o palácio presidencial, levando a uma enxurrada de pessoas desesperadas tentando deixar a capital. “O posto de controle na entrada do aeroporto está sob domínio do Talibã e há muitos outros no caminho até lá,” relatou à publicação. Para passar pelos bloqueios, a cineasta precisa de uma carta com os detalhes exatos do voo e a confirmação de que todas as pessoas com quem está viajando têm assentos assegurados, mas o caos que se instaurou na região faz com que as companhias aéreas não consigam fornecer nenhuma dessas informações. “Estamos apenas esperando por isso”, explica ela, que não tem destino definido. “No momento, o mais importante é chegar até o aeroporto e sair daqui.”

    A preocupação de Sadat quanto à própria sobrevivência está longe de ser infundada. Quando o Talibã tomou o poder pela primeira vez, em 1994, adotou uma versão radical, e apontada por muitos como deturpada, da lei islâmica, a Sharia, como código máximo do país. Segundo as regras, as mulheres não podem frequentar a escola ou trabalhar e só podem sair às ruas cobertas dos pés à cabeça e acompanhadas de um parente do sexo masculino. Infrações são passíveis de espancamento público e até apedrejamento. No passado, muitas mulheres foram tiradas de suas famílias para se casarem com membros do Talibã ou servirem como escravas sexuais.

    No mundo das artes, a situação não era muito melhor. Criada em 1968 para impulsionar o cinema afegão, a Afghan Films foi invadida pelos Talibãs, que incendiaram o que encontraram pelo caminho. Produzidos no período pré-invasão, os filmes retratavam mulheres andando desacompanhadas pelas ruas, com o corpo e os cabelos à mostra, um ultraje gigantesco às leis talibãs. Anos depois, descobriu-se que parte dos funcionários da instituição foram alertados da chegada dos talibãs e arriscaram a vida para esconder parte do acervo, que ficou esquecido nos esconderijos durante anos e passou por um processo de recuperação recentemente.

    Com a nova investida do grupo, a cineasta Sahraa Karimi, a única mulher afegã a ter um diploma em cinema, e atual presidente da Afghan Films, fez um apelo à comunidade internacional por ajuda, alertando que toda arte será banida sob um novo governo talibã. “Se o Talibã assumir o controle, eles vão banir toda a arte. Eu e outros cineastas podemos ser os próximos em sua lista de alvos. Eles vão tirar os direitos das mulheres: seremos empurradas para as sombras de nossas casas e de nossas vozes, e nossa expressão será abafada no silêncio”, escreveu a cineasta. Ela integrou a seleção do Festival de Veneza com o filme Hava, Maryam, Ayesha, que acompanha três mulheres de classes sociais distintas enfrentando questões ligadas à gravidez em Cabul.

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    A emissora alemã DW noticiou que diversos artistas e cineastas no Afeganistão disseram à publicação que estão escondidos e tentando tirar seus trabalhos da internet. O designer Shamayel Pawthkhameh Shalizi, que mora em Berlim, compartilhou no programa Arts and Culture da DW na segunda-feira, 16, os testemunhos de amigos e familiares que não conseguem deixar o Afeganistão.

    Ele alerta que, apesar do Talibã dizer que o novo governo será diferente do anterior, a região não é segura. “Não é um lugar seguro para artistas agora, tanto para quem quiser seguir criando arte, como também para aqueles que produziram arte nos últimos 20 anos, sem o Talibã. Os artistas são uma parcela da sociedade muito vulnerável, especialmente aqueles que fazem parte de comunidades ainda mais marginalizadas, como mulheres e minorias religiosas”, alertou. Artistas que retrataram o regime do Talibã de forma negativa estão sob ameaça ainda maior, apontou Shalizi, mas a arte em geral é vista como uma ameaça para o grupo extremista.

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