A cena que vai ao ar no capítulo desta terça, 29, da novela das 9 da Globo, A Força do Querer, de Gloria Perez, promete entrar para a história da teledramaturgia. Conhecida pelas campanhas sociais que encampa em suas tramas, a autora, desta vez, joga luz sobre a questão de identidade de gênero por meio de duas figuras centrais: a travesti Elis Miranda (Silvero Pereira) e a transgênero Ivana (Carol Duarte). Nesta noite, Ivana revelará para a família em destalhes que é trans — e ela deixará de existir ali, dando lugar para o “nascimento” de Ivan. A revelação já teve início no capítulo desta segunda, que terminou no momento em que Ivana declarou: “Eu não nasci menina. Sou trans”. O gancho, um dos mais fortes de todo o folhetim, pode levar A Força do Querer, que tem passado com frequência dos 40 pontos, a um novo recorde no Ibope.
A chamada virada de Ivana começou na iniciação sexual da personagem, que sentiu algo romper dentro de si ao se deitar com Claudio (Gustavo Stauffer). “Acho que teria gostado se fosse com outro corpo”, explicou mais tarde, tentando se entender, à prima Simone (Juliana Paiva). Depois disso, Ivana conheceu um transgênero, descobriu o que é um trans e se identificou com a condição. As últimas semanas, sobretudo, prepararam o terreno para esse momento, que Carol Duarte considera o ápice de sua personagem. A jovem atriz, que veio do teatro e estreia na TV, conta que os bastidores de gravação dessa revelação foram de muita emoção e cuidado. “Me preparei muito. Vai ser uma cena bem pesada para a trajetória dessa personagem”, afirma Carol, à reportagem.
“O pai e a mãe não sabem exatamente o que é transgênero. Então, é um choque a princípio. E a Ivana está sedenta por uma certa liberdade, porque toda a vida dela foi construída a partir da Joyce (Maria Fernanda Cândido). A mãe colocou na filha a felicidade dela, então é uma carga muito grande. Em contrapartida, a Ivana se sente um garoto, é o oposto disso tudo”, diz Carol. Para esse momento dramático, a atriz conta ter feito uso das histórias que ouviu de homens trans. “Todas as vezes que eu ouvia essas pessoas falarem sobre a família, era muito marcante. Afinal, se a pessoa não consegue mais viver dentro de casa, está rompendo com muita coisa.”
Com direção de Rogério Gomes, o Papinha, a cena reunirá o núcleo familiar de Ivana: o pai Eugênio (Dan Stulbach), a mãe Joyce, a irmão Ruy (Fiuk), sua prima Simone (Juliana Paiva) e a governanta Zu (Cláudia Mello). A revelação de Ivana deixará todos estarrecidos, especialmente a mãe. Em seguida, ela cortará os longos cabelos.
Público adotou Ivana
Gloria Perez conta que não se inspirou em nenhum caso em específico para escrever a cena. “Não ouvi nenhum relato parecido. Essa cena foi criação minha”, diz a autora. Segundo ela, o público, mesmo o mais conservador, “deu colo a Ivana”. “Penso que a importância de se debater o tema dentro de uma novela é jogar o assunto na mesa, transformar em discussão nacional. Esse é o alcance da novela. Ela é capaz de abrir espaço para que as instituições e os grupos ligados à defesa dos direitos dessas pessoas conquistem benefícios práticos”, pondera Gloria.
Para interpretar Eugênio, Dan Stulbach também conversou com diversos trans. Essas entrevistas, inclusive, foram gravadas e publicadas pelo ator em formato de série, Transversal, em sua página no Facebook. E ele constatou, nesses relatos, que o homem reage pior do que a mulher nesse tipo de situação. Diferentemente do que ocorre na família de Ivana, em que Joyce se mostrará mais resistente à transição da filha. “Eugênio é mais indeciso, é bom de coração. Ele e a filha têm um entendimento enorme.”
Para ele, discutir a questão é de grande importância. “Mostrar que toda forma de amor é possível, acabar com a ignorância, mostrar quem são essas pessoas. Acho que a novela tem outro caminho para que esse esclarecimento aconteça, que é através da emoção. As pessoas só se cativam por uma discussão na novela se elas se cativam pela história. O caminho para qualquer mudança acontecer é a emoção.”
Essa discussão na novela acaba se alinhando com outras ações, internas e externas, realizadas pela Globo. Também nesta terça, 29, será lançada uma campanha estrelada por transgêneros que têm auxiliado a emissora a entender esse universo. “O filme Transgêneros é parte de uma plataforma mais ampla, a Tudo Começa pelo Respeito, que lançamos há mais de 1 ano. Nesse período, já falamos sobre homofobia, violência contra mulher, intolerância religiosa, violência no futebol e outros temas importantes para estimular uma mudança no mundo em que vivemos, sempre pelo respeito. O que estamos lançando no ar, agora, é uma nova etapa dessa caminhada de mobilização sobre identidade de gênero”, diz Sérgio Valente, diretor de Comunicação da Globo. “Tudo o que a gente não precisa mais é de preconceito. Então, ajudar a entender alguns assuntos é fundamental para garantir o respeito a que todos temos direito.”
(Com Estadão Conteúdo)