Mrs Dalloway é um dos livros mais famosos de Virginia Woolf [1882 – 1941]. A obra trouxe um novo formato de escrita, que mistura presente com flashbacks, alternados com reflexões mentais da personagem, flertando com psicologia e filosofia. Inspirada na vida e na obra da autora inglesa de forte inspiração para as feministas do século XX, Cláudia Abreu, 53 anos, montou o primeiro monólogo de sua carreira. Ela interpreta oito papéis no palco, além da personagem-título. São as vozes da consciência de Virginia em seus últimos instantes de vida, enquanto ela afundava num rio com os bolsos cheios de pedras, prestes a cometer suicídio. O solo passou pelo Rio de Janeiro depois de um ano da estreia. Em conversa com a coluna, a atriz fala desse momento “solitário” no palco e de como encara os desafios trazidos pelo streaming.
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Virginia tem forte contribuição para correntes do feminismo. Você se considera feminista? Ser feminista não necessita que você seja uma ativista constante, que fique o tempo inteiro da militância. Ser uma mulher e ter consciência dos seus direitos, da igualdade, das condições básicas que precisamos para sermos respeitadas, assim você será feminista. Nada mais é do que querer o básico. E um dos fatos que falo na peça é essa condição feminina, que não mudou tanto em 100 anos.
Você ja sofreu machismo? Não saberia te dizer exatamente quando sofri machismo, as mulheres sofrem machismo diversos no dia a dia. É uma sociedade machista.
Sente-se privilegiada por não saber detalhar isso? Não passei pelas situações extremas que Virginia passou de opressão masculina. De ter sido impedida de frequentar a escola por ser mulher, nem de ter sofrido abuso sexual ou moral. Sem dúvidas, não vivi esses aspectos. Mas a sociedade apresenta machismo nas mínimas coisas. Desde uma situação do trabalho ou no cotidiano. Mas não colocaria isso como um lugar de privilégio. É uma questão que acontece independentemente da classe social.
Na peça vemos os momentos finais do suicídio de Virgina. O que pensa sobre o tema? O suicídio é o tema central da peça. Tive que enfrentar ele de frente, apesar de ser tabu. Poderia ter feito qualquer outro recorte, mas ao mesmo tempo foi exatamente o suicídio que me chamou a atenção. Como uma pessoa que tentou se matar outras vezes, e que de fato se dá conta que está conseguindo se matar, entrando num delírio de falta de oxigenação, de perceber que vai morrer… O que passa na cabeça dessa pessoa? Algum arrependimento, saudade, alívio… É muito essa minha reflexão sobre o que passou.
Você já comentou que teve resistência em fazer monólogo por gostar do movimento com outros atores. A Cláudia aprendeu a ser solitária? Foi liberdade entender que posso ser solitária. A gente acha que depende sempre do outro. Há sempre esse tabu da solitude, e foi interessante descobrir que existe uma grande liberdade nisso.
Isso se traduz na vida? Sim, conseguir ser uma boa companhia para si mesma é uma grande liberdade.
Você destaca que, dentro da história dela, algo moderno é o desejo por mulheres. O que uma mulher apresenta a outra numa relação que o homem não traz? Cada vez mais não gostaria de colocar esse aspecto tão definido de homem e mulher. Obviamente os homens culturalmente são criados de uma maneira, assim como as mulheres. Mas é interessante pensar nas pessoas sem esse clichê, de que o homem tem sempre o mesmo comportamento, seja ele quem for, e as mulheres também. As mulheres podem ter comportamentos machistas e homens podem ser menos machistas e mais flexíveis dentro da própria masculinidade. Prefiro olhar cada um.
Isso também nas suas relações? A gente tem que se relacionar com as pessoas como elas são. Não vendo uma coisa já pré-concebida, que o homem é sempre machista. Existem encontros e, dentro dos encontros, se pode melhorar. Você pode se tornar menos machista, pode aprender com o outro, a flexibilizar seus preconceitos, sua educação, sua caretice, os encontros são transformadores.
Enquanto várias colegas suas debandam para o streaming, você declara que considera “novela uma arte democrática”. Pode explicar mais sobre? Existe agora essa explosão que é o streaming, um grande mercado que é muito bem-vindo. E as pessoas questionam: ‘mas você não vai voltar a fazer novela?’. Claro que sim, se tiver convite interessante, vou fazer. É importante no Brasil, onde nem todos podem pagar por streaming, ir ao teatro, ir ao cinema, que se faça novela para honrar o público. Não se pode desprezar a novela como arte democrática e popular.
Dentro das recentes produções você fez no streaming, Desalma (do Globoplay) foi cancelada. Esse é o grande mal das séries? Essas obras sempre vão ter essa questão, podem continuar infinitamente e podem de alguma maneira ser interrompidas por alguma questão econômica. Mas é claro que é muito bom concluir quando se tem um arco de história. Desalma, por exemplo, teve duas temporadas que contaram bem a história da comunidade ucraniana no Brasil.
Não ter concluído a série te frustrou? Não, respeitei a decisão. Claro que existe desejo de conclusão, mas acho que a minha personagem, por exemplo, a história dela se concluiu. A terceira temporada seria uma incógnita.