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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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O espírito do Escorpião

Ameaça de intervenção militar na apuração das eleições reconstrói acordo de STF e Congresso contra Bolsonaro

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 30 abr 2022, 09h00

Jair Bolsonaro transformou a sua maior vitória política do ano em uma derrota ao ressuscitar as desconfianças sobre o resultado das eleições e a possibilidade de um golpe militar. Depois de conseguir com o indulto ao deputado Daniel Silveira um isolamento inédito dos ministros do Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro exagerou na comemoração da vitória. Defendeu a intervenção militar na Justiça Eleitoral e conseguiu assim que setores que haviam se afastado do Supremo _ como os presidentes do Senado e Câmara _ novamente se unissem para defender a democracia, e indiretamente atacar Bolsonaro.

Batizada de “ato cívico pela liberdade de expressão”, com transmissão ao vivo pela estatal TV Brasil, a cerimônia no Palácio do Planalto foi organizada pelos deputados da bancada evangélica para bajular Bolsonaro. No discurso, o presidente disse que existe uma suspeição sobre as eleições. “Não pensam que (uma eventual fraude) seria só para presidente. Isso seria para o Senado, para a Câmara, se tiver algo de anormal”, especulou. Segundo ele, as Forças Armadas querem ter um acesso aos dados da votação para fazer uma apuração paralela à da Justiça. “Uma das sugestões (das FFAA) é que, [com] esse mesmo duto que alimenta na sala secreta os computadores, seja feita uma ramificação um pouquinho à direita para que tenhamos do lado um computador também das Forças Armadas para contar os votos no Brasil”, declarou. “Eles (os ministros do TSE) convidaram as Forças Armadas a participarem do processo eleitoral. Será que esqueceram que o chefe supremo das Forças Armadas se chama Bolsonaro?”, disse o presidente.

Como na fábula, a natureza do escorpião é ferroar o sapo, mesmo que ambos se afoguem.

A ideia de que generais possam decidir se a apuração do TSE está condizente com a realidade assustou os maiores aliados do presidente, os políticos do Centrão. Afinal, o poder do Centrão deriva do respeito ao Legislativo. Se os generais podem decidir se Bolsonaro ganhou ou não as eleições, o passo seguinte é escolher quem estará ou não no Congresso. Os políticos do Centrão sabem o risco que correm.

Na quinta-feira (28), o presidente do TSE, Edson Fachin, conversou por telefone com os presidentes Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. Depois, os congressistas se encontraram pessoalmente com os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes. Como relatou a repórter Thais Arbex, da CNN Brasil, a conversa foi dura. Um ministro lembrou aos chefes do Legislativo que foi o STF quem devolveu a política aos políticos, numa referência ao fim da histeria antipolítica causada pela Operação Lava Jato.

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A conversa chegou a um consenso. Juridicamente, Bolsonaro tem o direito de indultar Daniel Silveira pelos seus crimes, mas usar isso como pretexto para retomar as ameaças de intervenção militar é ultrapassar o limite. Como no aforisma de Guimarães Rosa, os sapos Pacheco e Lira não soltam por boniteza, mas por precisão.

No mesmo dia, Pacheco declarou que “as instituições e a sociedade podem ter convicção da normalidade do processo eleitoral. A Justiça Eleitoral é eficiente e as urnas eletrônicas confiáveis. Ainda assim, o TSE está empenhado em dar toda transparência ao processo desde agora, inclusive com a participação do Senado”. “O processo eleitoral brasileiro é uma referência. Pensar diferente é colocar em dúvida a legitimidade de todos nós, eleitos, em todas as esferas. Vamos seguir – sem tensões – para as eleições livres e transparentes”, disse Lira.

Na sexta-feira (29), três ministros do STF se pronunciaram. “Não há poder moderador para intervir na Justiça Eleitoral. Colaboração, cooperação e, portanto, parcerias proativas para aprimoramento, a Justiça Eleitoral está inteiramente à disposição. Intervenção, jamais”, disse Edson Fachin.

Alexandre Moraes foi menos sutil. “Eu tenho absoluta certeza que ameaças vãs, coações tentadas, nada disso amedrontará nenhum juiz eleitoral do País. Nós teremos uma eleição transparente e segura. A população pode ter certeza: em dezembro serão diplomados aqueles que o povo escolheu. Não importa quem”.

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Perguntado se poderia encerrar o inquérito das fake news como uma forma de trégua com Bolsonaro, Moraes negou. “Estamos chegando em todos os financiadores (da máquina de disseminação das fake news). As pessoas não entendem que a investigação tem o seu momento público e tem o seu momento sigiloso, que no mais das vezes é o mais importante, quando você vai costurando as atividades ilícitas que a Polícia Federal está investigando”, disse. As investigações mostram a existência de uma pirâmide de empresários que doaram, via caixa-dois, milhões de reais por mês para financiar a máquina digital de Bolsonaro.

Mais contido, Ricardo Lewandowski, que será vice-presidente do TSE, afirmou que “não existe hoje nenhum grupo político com esse poder de desestabilizar as instituições. Não vejo nenhum problema de um perigo para as eleições. Nós haveremos de fazer as eleições e apurarmos o resultado sem nenhum problema”.

O fato de os três ministros terem se pronunciado depois dos presidentes das Casas mostra que a ação de Bolsonaro reconstruiu uma coordenação rompida. Quando Bolsonaro perdoou Silveira, o presidente do Senado foi o primeiro a dizer que ele tinha esse direito e Lira ficou ao seu lado por considerar que a prisão de um deputado é exclusividade do Congresso. Na segunda-feira (25), o isolamento do STF parecia algo benéfico para a maioria dos deputados. Depois do discurso golpista de Bolsonaro, o quadro mudou.

Até a sexta-feira (29), não estava claro se o presidente pretendia ir à comemoração do Primeiro de Maio na Avenida Paulista, organizada pelas células mais radicais do bolsonarismo. Foi na Paulista, no Sete de Setembro, que Bolsonaro chamou Alexandre de Moraes de “canalha”, prometeu não cumprir decisões do STF e defendeu intervenção no tribunal. Recuou depois de perceber que não tinha apoio e se viu obrigado a entregar o núcleo do governo ao Centrão. A trégua durou menos de oito meses.

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