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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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Falta Lula ao governo Lula

Presidente pede ajuda para salvar seus três ministros, mas a maior responsabilidade é dele

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 19 jun 2023, 19h51 - Publicado em 19 jun 2023, 09h36

A reunião ministerial de mais de nove horas na quinta-feira 15 tinha como objetivo preservar o emprego dos três ministros mais criticados do governo Lula: os titulares da Casa Civil, Rui Costa, das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e da Comunicação Social, Paulo Pimenta. Para quem assistiu à reunião toda, a conclusão foi que os três ministros palacianos só sobrevivem se tiverem ajuda dos demais ministros. Mas não basta.

Costa e Padilha são os responsáveis pela relação do governo com o Congresso, o ponto mais frágil do mandato Lula 3. Há uma semana, o presidente ensaia demitir a ministra do Turismo para substituí-la por um apaniguado do líder do Centrão na Câmara, Elmar Nascimento. Enquanto demorava para agradar ao Centrão da Câmara, o governo Lula foi tratorado no Senado por uma votação que isentou 3 mil prefeituras de pagar o valor integral da Previdência dos servidores municipais. É mais que provável que a medida não vá para a frente, mas foi um tiro de alerta do Senado: se beneficiar demais a Câmara, o governo Lula sofrerá as consequências no Senado.

Para salvar Rui Costa e equilibrar o governo entre as ambições de deputados e senadores, o presidente Lula da Silva ordenou que os outros ministros: (1) cumpram as suas ordens de nomear indicados pelos líderes partidários; e (2) só toquem projetos já aprovados pela Casa Civil. “Não quero mais ideias novas”, disse ele aos ministros. Está certo. Poucas coisas são mais perigosas em um governo que ministros com iniciativas.

Passados quase seis meses de governo, existem 403 nomes de indicados políticos que não foram nomeados. Alguns por motivos nobres, como condenações no Tribunal de Contas, outros por burocracias, como manter uma empresa em seu nome, mas a grande maioria é por pura ineficiência ou má vontade dos ministérios. Como cada ministro quer ter o controle completo da sua pasta, ele não dá prosseguimento aos pedidos dos parlamentares, especialmente se forem de outro partido.

Aqui entra a culpa de Lula. Em outros governos, o ministro da Casa Civil tinha a autoridade para nomear em outros ministérios, porque ao fim do dia era ele quem coordenava o governo. Foi assim com Clóvis Carvalho no governo FHC, José Dirceu e Dilma Rousseff com Lula, Eliseu Padilha com Temer e Ciro Nogueira com Bolsonaro. Apesar dos elogios públicos, Lula ainda não deu o mandato público para Rui Costa fazer o que precisa ser feito.

Para salvar Padilha, Lula exigiu que os ministros listem projetos que podem ser financiados por emendas parlamentares. Parece só um ato burocrático, mas para que o dinheiro chegue ao destino é preciso vinculá-lo a um projeto. Existe uma evidente má vontade da burocracia dos ministérios em atender parlamentares de partidos diferentes dos do ministro. Por isso, há tanta reclamação dos partidos aliados contra o petismo no Ministério da Educação.

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Há também diferenças de prioridades. No Ministério da Saúde, por exemplo, a lista privilegia os projetos estruturantes, como a vacinação, mas o que os deputados realmente querem é transferir emendas para Santas Casas e postos de saúde das cidades da sua base política. No Ministério das Cidades, os deputados não querem jogar suas emendas para o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida porque sabem que só o PT fatura politicamente.

Padilha ainda sofre um tiroteio de quem deveria ser o seu braço direito, o líder do governo na Câmara, José Guimarães. Metade das críticas do presidente Arthur Lira para derrubar Padilha eram fomentadas por Guimarães, que gostaria de ser o ministro.

De novo, há a responsabilidade de Lula. Alexandre Padilha precisou ser defendido pelo insuspeito Elmar Nascimento para reforçar o discurso de que a responsabilidade do ministro vai até certo ponto, a partir do qual é preciso alguém ordenar que os ministros cumpram os acordos. Falta ficar claro que Padilha fala em nome de Lula.

Para ajudar Paulo Pimenta, Lula pediu que a comunicação dos ministérios se coordene com o Planalto. Isso nunca aconteceu e nunca vai acontecer. Lula estreou, na terça-feira 13 de manhã, uma live semanal, na qual conversou durante 31 minutos com o jornalista Marcos Uchôa, por mais de duas décadas repórter da TV Globo, que agora está na EBC. O ponto mais constrangedor foi quando Lula pedia aos jovens que se inscrevessem no Enem e Uchôa perguntou: “Quando você vê estes jovens, no instituto federal de Paulista (PE) era uma garotada que estava ali à tua frente, possivelmente eram os filhos daqueles que você viu 20 anos atrás. Você vê já uma cara de esperança?”.

Independentemente da popularidade atual, Lula é obviamente um personagem enorme, talvez o único a ter ouvintes em todos os cantos do país. Mas sua live foi tratada como coisa de influencer iniciante. De acordo com jornal O Globo, quatro horas depois de encerrada, a live havia tido 217 mil visualizações nos perfis de Lula nas principais redes sociais. A maioria assistiu pelo Twitter, uma rede reconhecidamente elitista. Para comparar: Bolsonaro tinha sempre um público na casa dos milhões. Em agosto de 2022, chegou a 13,8 milhões de views.

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A operação de salvamento dos três ministros encobre três problemas reais do governo Lula. O mais evidente é a descoordenação dos ministérios. Não há unidade de discurso, nem de ação, os ministros não obedecem ao Planalto e fica tudo por isso mesmo. Nesses quase seis meses, o governo Lula tem apenas duas agendas claras: na economia, com Fernando Haddad, e nas Relações Exteriores, com Celso Amorim. Todo o resto ainda é uma coleção de projetos de Lula 1, Lula 2 e Dilma.

É surpreendente, uma vez que o governo não apenas tem um presidente em terceiro mandato, como dez ex-governadores e oito ex-ministros no primeiro escalão. Era para ser uma equipe experiente, capaz de fazer a máquina rodar. O resultado, porém, é decepcionante. Na segunda-feira 12, o ministro da Educação, Camilo Santana, deu entrevista ao programa Roda Viva. Considerado um ótimo governador do Ceará (2015-2022), Camilo mostrou na entrevista que não sabia que, pelo projeto do arcabouço fiscal aprovado na Câmara, o Fundeb estará sob o limite de gastos fiscais.

O segundo problema, decorrente do primeiro, é a relação ruim com o Congresso e a falta de empenho dos ministros em ajudar Lula a ter uma base de apoio. É como se o problema fosse exclusivo de Costa e Padilha. Bobagem.

Por fim, há o problema mais difícil: Lula não tem mais paciência para o ramerrame de negociar questões paroquiais com o Congresso e mediar briga de ministros. O presidente quer inaugurar obras, ganhar aplausos e dedicar seu melhor tempo para questões internacionais. É uma questão insolúvel. Hoje falta Lula no governo Lula.

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