Em 1884, na residência oficial do chanceler prussiano Otto von Bismarck, em Berlim, representantes dos governos da Grã-Bretanha, Dinamarca, Espanha, Itália, Bélgica, Império Austro-Húngaro, Rússia, Reino Unido da Suécia e Noruega, Império Otomano e os Estados Unidos se reuniram por meses para, na prática, dividirem a África entre si. Nações foram repartidas sem critério, etnias foram tornadas minorias de rivais e trinta anos depois 90% do continente era controlado pela Europa. Nenhum africano estava na reunião, embora o sultão de Zanzibar tenha insistido em ser convidado. Não foi.
No excepcional livro Africa is not a country (A África não é um país), o jornalista e escritor nascido nos EUA e criado na Nigéria Nipo Faloying discorre sobre os efeitos da Conferência de Berlim na estabilidade política e econômica dos países africanos até hoje, 140 anos depois.
É essa colcha de retalhos de 55 países complexos representada pela União Africana, que pela primeira vez estará com voz e voto na principal reunião de cúpula do mundo, o próximo G20 do Rio de Janeiro. O evento, agora um G-21, será em novembro, ironicamente o mesmo mês do início do acordo promovido por Bismarck que transformou o continente para sempre.
Nada que será discutido no encontro do Rio — de incentivos financeiros à transição ecológica a programas de combate à fome e regras globais para o desenvolvimento da inteligência artificial — terá o mesmo peso simbólico da presença da União Africana justamente quando o G20 ocorre no país de maior herança africana fora da África.
O G20 se tornou importante em 2008, quando o então presidente dos EUA, George W. Bush, usou a reunião para coordenar ações para minimizar os efeitos da crise financeira mundial. Embora, em tese, representem as 20 maiores economias do mundo, o clube tem peculiaridades como incluir a União Europeia e, assim, permitir a presença de países não-europeus e fora do ranking dos 20 mais ricos, como Argentina e África do Sul. No encontro do ano passado, na Índia, decidiu-se pela primeira vez ampliar o clube com a entrada da União Africana.
O encontro na Índia foi marcado pelo boicote do presidente chinês Xi Jinping e pela ausência do presidente russo Vladimir Putin devido à emissão de um pedido de prisão pelo Tribunal Penal Internacional. A diplomacia brasileira busca achar um meio para que desta vez todos os líderes participem. O evento do Rio será marcado pelo resultado da eleição dos EUA, marcada para 5 de novembro.
Como anfitrião, o presidente Lula pode convidar outros chefes de governo fora da lista oficial. Já foram confirmados três africanos (Angola, Egito e Nigéria), três europeus (Espanha, Portugal e Noruega), dois asiáticos (Emirados Árabes Unidos e Singapura) e, no mínimo, três sul-americanos (Paraguai, Uruguai e Bolívia).
Ainda em fevereiro, ocorrem as duas primeiras grandes reuniões preparatórias: nos dias 21 e 22, os chanceleres de todos os países se encontram no Rio; em 28 e 29, os ministros da Fazenda e presidentes do Banco Central se reúnem em São Paulo.